A comunidade de leitores sensíveis, responsável por
expurgar as obras de Enid Blyton, Roald Dahl, Agatha Christie, entre outros,
tem muito trabalho pela frente. Temo pela sensibilidade dos leitores sensíveis.
Nada disto surge por acaso, os precedentes são óbvios. As redes sociais com os
seus algoritmos sensíveis apenas impulsionaram a sensibilidade dos leitores,
uma sensibilidade carente de ironia como um doente de escorbuto é carente de
vitamina C. Com esta hipersensibilidade do leitor não é apenas a ironia que se
vai, é a metáfora, é a parábola, é a sátira, é, enfim, a liberdade do
pensamento e, por consequência, da expressão. Como disse, isto tem
antecedentes, é uma actualização da censura que nos persegue desde o início dos
tempos e, por isso, até seria um desafio para quem escreve, não fosse castrador
para quem lê. Os leitores sensíveis não estão apenas a passar com o lápis azul
sobre um texto, estão a fazer algo muito mais subtil, ardiloso e, por isso
mesmo, algo mais preocupante. Estão a castrar o intérprete, estão, com a sua
missão paternalista, a retirar ao público, à audiência, ao auditório, toda e
qualquer capacidade de discernimento. Os leitores sensíveis julgam que o mundo
deve ser protegido da insensibilidade dos autores, querem convencer-nos, como
outrora os parabolanos, de que há coisas que se podem dizer e outras não. As
redes sociais estão lotadas de leitores sensíveis, são já uma amostra do que
nos espera. Enfim, como gosto de pensar positivo, vou convencer-me que a breve
trecho, a bem da sensibilidade, andaremos todos muito caladinhos, com o rabinho
entre as pernas, atrofiados por cuidados, obedientes e submissos e amorfos e
lassos e calculistas e beatos... Ah, espera. Já andamos.
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