sábado, 1 de abril de 2023

LEITORES SENSÍVEIS

 

A comunidade de leitores sensíveis, responsável por expurgar as obras de Enid Blyton, Roald Dahl, Agatha Christie, entre outros, tem muito trabalho pela frente. Temo pela sensibilidade dos leitores sensíveis. Nada disto surge por acaso, os precedentes são óbvios. As redes sociais com os seus algoritmos sensíveis apenas impulsionaram a sensibilidade dos leitores, uma sensibilidade carente de ironia como um doente de escorbuto é carente de vitamina C. Com esta hipersensibilidade do leitor não é apenas a ironia que se vai, é a metáfora, é a parábola, é a sátira, é, enfim, a liberdade do pensamento e, por consequência, da expressão. Como disse, isto tem antecedentes, é uma actualização da censura que nos persegue desde o início dos tempos e, por isso, até seria um desafio para quem escreve, não fosse castrador para quem lê. Os leitores sensíveis não estão apenas a passar com o lápis azul sobre um texto, estão a fazer algo muito mais subtil, ardiloso e, por isso mesmo, algo mais preocupante. Estão a castrar o intérprete, estão, com a sua missão paternalista, a retirar ao público, à audiência, ao auditório, toda e qualquer capacidade de discernimento. Os leitores sensíveis julgam que o mundo deve ser protegido da insensibilidade dos autores, querem convencer-nos, como outrora os parabolanos, de que há coisas que se podem dizer e outras não. As redes sociais estão lotadas de leitores sensíveis, são já uma amostra do que nos espera. Enfim, como gosto de pensar positivo, vou convencer-me que a breve trecho, a bem da sensibilidade, andaremos todos muito caladinhos, com o rabinho entre as pernas, atrofiados por cuidados, obedientes e submissos e amorfos e lassos e calculistas e beatos... Ah, espera. Já andamos.

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