terça-feira, 21 de maio de 2024

RAINHAS CLÁUDIAS

 


Um conto sobre uma ida às putas. E pronto, está fechada a loja, o último a sair que apague a luz. Há de facto uma prostituta, de seu nome Sofia (como em filo-sofia), e há de facto um potencial cliente, homónimo do autor. Sucede que este não tem dinheiro e ela é «um ser da valeta recoberto de suspeitas e cicatrizes.» O cenário ao redor é miserável, há medo, há fome, há pobreza, há um velho sentado no chão, chulos, cheiro a mofo, mendigos deitados na rua, sonhos interrompidos pela realidade. O serviço cumpre-se, mas por amor, isto é, afecção, ou seja, uma espécie de identificação do cliente com a serviçal. «Merda pra isto! falta-nos tudo!» E de repente a tal ida às putas é outra coisa, o retrato, talvez, de uma juventude de horizontes curtos, estagnada, carente, impedida de se viver e de se emancipar, gente necessitada em clausura num ambiente social repleto de muros, gente cercada de muralhas e muros, presa, reclusa, condenada por crimes que não cometeu. O sol nasce e ela mete o casacão no prego, a despeito do frio, para poderem tomar um pequeno-almoço digno, a primeira refeição a que todos deviam ter direito não fosse a miséria abjecta a que o país os condena. Galões e torradas, uma fartura. Não, Miguel, isto não é sobre uma ida às putas, isto é sobre uma descida aos infernos e de como só um gesto solidário nos pode salvar das cinzas.

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