Co Capitão Temístocles, um dia,
Em cousas de ciência praticando,
Que então compunha, com que lhe ensinasse
A lembrar-se de tudo o que fazia;
Que nunca lhe passassem da memória
Em nenhum tempo as cousas que passasse.
Quem dava regra contra o esquecimento
Que sepulta qualquer antiga história.
Bem diferente estava, porque havia
Do passado as lembranças por tormento,
Que mostras à memória nova via,
Me não lembrasse nada do passado,
Oh! quanto milhor obra me farias!
Fosse por quem se visse estar ausente,
Em longas esperanças degradado,
— Simónides, inventa novas artes:
Não midas o passado co presente!
Buscando à vida algum descanso honesto,
Que tu, Fortuna injusta, mal repartes;
Que, por grave que seja, há-de passar-se
Com animoso esprito e ledo gesto;
Do que se passou já, pois tudo passa,
Senão de entristecer-se e magoar-se?
Não como quis Pitágoras, na morte,
Mas como quer Amor, na vida escassa;
Que na virtude só dum lindo objecto
Tem um corpo sem alma, vivo e forte;
Tamanho pera a vida que já nela
Me está chamando à pena a dura Alecto;
Selvático no mundo, e habitante
Na dura Cítia, e no mais duro dela?
Criado ao peito dῦa tigre hircana,
Homem fora formado de diamante,
Não sometera ao jugo e dura lei
Daquele que dá vida quando engana.
As que passei do mar foram do Lete,
Pera que me esquecera o que passei.
Ou a morte o estorva, ou a mudança.
Que é mal que ῦa alma em lágrimas derrete.
No mal, do bem passado é triste e dura,
Pois nace aonde morre a esperança.
Em almas saudosas, não se enfade
De ter tão longa e mísera escritura.
Ao manso Favónio brandamente,
E eu a tinha já solta à saudade.
A proa a branca escuma dividia,
Com a gente marítima contente.
Os ventos, namorada Galateia
Consigo, sossegados, os movia.
Andava por o mar fazendo molhos,
Melanto, Dinamene, com Ligeia.
Trazia os olhos n’água sossegada,
E a água sem sossego nos meus olhos.
Diante de mim tinha tão presente,
Como se não mudasse o tempo nada.
Cum suspiro profundo e mal ouvido,
Por não mostrar meu mal a toda a gente,
Em puro amor tivestes, e inda agora
Da memória o não tendes esquecido;
Adonde entra o grão Tejo a dar tributo
A Tétis, que vós tendes por Senhora;
Ou já por colher ouro rutilante,
Das tágicas areias rico fruto;
Escrevei cῦa concha o que em mim vistes:
Pode ser que algum peito se quebrante.
Os pastores do Tejo, que me ouviam,
Ouçam de vós as mágoas que me ouvistes.
Nos meneios das ondas me mostravam
Que em quanto lhes pedia consentiam.
Por a tranquilidade da bonança,
Nem na tormenta triste me deixavam.
Começo da saudade que renova,
Lembrando a longa e áspera mudança;
Que no novo hemisfério resplandece,
Dando do segundo axe certa prova;
Do ar, subitamente, foge o dia;
E todo o largo Oceano se embravece.
Que em tormentas se vinha desfazendo;
Em serras todo o mar se convertia!
Sonoras tempestades levantavam,
Das naus as velas côncavas rompendo.
Os marinheiros, já desesperados,
Com gritos pera o Céu o ar coalhavam.
Vibrava o fero e áspero Tonante,
Tremendo os Pólos ambos, de assombrados!
E que por algum medo não fugia,
Mas quanto mais trabalho, mais constante,
— Se algῦa hora, Senhora, vos lembrasse,
Nada do que passei me lembraria. —
O firme amor intrínseco daquele
Em quem algῦa vez de siso entrasse.
Que nunca Amor se afina nem se apura,
Enquanto está presente a causa dele.
A esta desejada e longa terra,
De todo pobre honrado sepultura.
E nós próprios quão pouca; contra quem
Foi logo necessário termos guerra.
E que o rei da Pimenta lhe tomara,
Fomos tomar-lha, e sucedeu-nos bem.
O Vizo-Rei, de Goa nos partimos
Com toda a gente de armas que se achara.
A gente no curvo arco exercitada;
Com morte, com incêndios os punimos.
De modo que se andava em almadias;
Enfim, outra Veneza trasladada.
Que foram pera alguns os derradeiros,
Pois passaram da Estige as ondas frias.
Que pera a vida estão aparelhados
Aos que a querem ter por cavaleiros.
Se conhecessem seu contentamento,
Como vivem no campo sossegados!
Dá-lhes a fonte clara de água pura;
Mungem suas ovelhas cento a cento.
Por ir buscar à pedra do Oriente;
Não temem o furor da guerra dura.
Sem lhe quebrar o sono repousado
A grã cobiça do ouro reluzente.
E da fermosa cor assíria tinto,
E dos torçais atálicos lavrado;
E se de Pário os mármores lhe faltam,
O piropo, a esmeralda e o jacinto;
Esmalta-se-lhe o campo de mil flores,
Onde os cabritos seus, comendo, saltam.
Vêem-se os ramos pender co fruito ameno;
Ali se afina o canto dos pastores;
Enfim, por estas partes caminhou
A sã Justiça pera o Céu sereno.
Poder viver na doce companhia
Das mansas ovelhinhas que criou!
As causas naturais de toda a cousa:
Como se gera a chuva e neve fria;
E porque nos dá a Lua a luz alheia,
Se tolher-nos de Febo os raios ousa;
E como um só os outros traz consigo;
E se é benina ou dura Citereia.
Quem há-de andar seguindo o fero Marte,
Que sempre os olhos traz em seu perigo.
Pois posto que a Fortuna possa tanto
Que tão longe de todo o bem me aparte,
Desta obrigação sua, enquanto a morte
Me não entrega ao duro Radamanto;
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