sexta-feira, 14 de junho de 2024

BOAS PESSOAS


 

Boas pessoas. Julgamo-nos boas pessoas. Que a sinceridade é uma flor que se cheira de longe. Pessoas com valores que cumprem as suas vidinhas medíocres a caminho do sacrifício, regidas pelos padrões dos bons comportamentos e da obediência. Julgamo-nos impolutos, incólumes, inclusivos, beneméritos, solidários, cumpridores, ecológicos, infinitos, educados, empáticos, vegetarianos, cheios de espinha dorsal e baldes de merda, fiéis aos seus princípios e valores e crenças, amigos do seu amigo e dos animais, amantes dos seus amores, pagadores de impostos, que ai de quem me apontar isto, que ai de quem, seja o que for, que eu sei muito bem o que sou, o que valho, o que faço, o que penso, o que digo, o quão inteligente sou, e a merda reluzente que cago, e os buracos que fodo. Sou uma boa pessoa. Nada na manga. Enterrado na lama. Acreditam nisso? Acreditam mesmo nisso, senhoras e senhores? Um pouco mais de luz antes da noite. Vai ficar tudo bem e somos todos boas pessoas. A sério? Foda-se.

Sandro William Junqueira, in Um Tiro no Escuro, Relógio D'Água, Abril de 2022, p. 34.

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