A peça "Act Without Words II", de Samuel
Beckett, é geralmente interpretada sob o ponto de vista da rotina que ocupa as
personagens em cena, mas interessa-me mais o que não é visível. De cada vez que
releio o texto, um breve exercício para mímica datado de 1956, interrogo-me
sobre quem estará por detrás do "goad" que espicaça as personagens A
e B. A desumanização daquele instrumento que vai empurrando as personagens da
direita para a esquerda é um mistério por desvendar, pois nunca saberemos se é
uma força externa em acção ou se é uma parábola do que comanda as cabeças das
próprias personagens. Sinto-me tentado a ver no espigão o ponteiro de um
relógio, o ponteiro de um relógio maior do que aquele que B consulta a dado
momento. É o Tempo por detrás do tempo que nos empurra para fora de cena. A
peça termina com A a rezar: "A crawls out of sack, halts, broods,
prays." Esta força externa que nos leva a rezar no decorrer da rotina dos
dias pode ser muita coisa, em nenhuma das hipóteses me parece algo positivo,
pois obriga-nos a uma funcionalidade que é tudo menos natural em quem só pelo
erro exercita a razão. Beckett sabia-o, foi leitor de Descartes.
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