Era uma vez um país
onde as pessoas andavam descalças, não por serem atrasadas ou indigentes, não
por necessidade, não por miséria. Elas andavam descalças e eram felizes,
gostavam de sentir-se ligadas à terra, tinham ruas atapetadas de erva que as
protegia. Não se calçavam para não sentirem os pés apertados. Calcorreavam os
caminhos sem qualquer esforço, tinham as palmas dos pés fortalecidas e, porque
andavam descalças, possuíam uma consciência muito mais apurada dos seus corpos.
Houve até um estudo científico que falou desse povo como aquele cuja propriocepção
(palavrão para consciência corporal da posição dos pés) era mais eficaz, o que
oferecia vários benefícios à saúde da população. Eram pessoas verticais, tinham
uma coluna vertebral impecável e os músculos fortalecidos. A única pessoa
infeliz nessa nação era um sapateiro, um artesão fabricante de sapatos que
vivia de se queixar do mau negócio. Assim foi até ter conhecido um grande
industrial do calçado que, descobrindo naquele país uma excelente oportunidade
de negócio, sugeriu um acordo com o artesão. Em troca de estratégias que
incrementariam exponencialmente o mercado de sapatos no país onde toda a gente
andava descalça, o industrial amealharia uma elevada percentagem sobre as
vendas. Selado o acordo com um aperto de mão, o industrial do calçado ordenou
aos seus funcionários que espalhassem pelos caminhos daquele país todo o tipo
de vidros partidos, pregos e alfinetes, pioneses e objectos com cantos, bordas
e pontas afiados capazes de cortar e perfurar carne humana. Não demorou muito
que o velho e triste artesão tivesse de contratar pessoal para a sua nova
fábrica. A erva desapareceu do país onde as pessoas andavam descalças.
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