sábado, 21 de junho de 2025

"RESPEITEM OS NOSSOS VALORES"

 


Costumo dizer, meio a sério, meio a brincar, que fui baptizado sem saber, fiz a primeira comunhão a contragosto e tornei-me ateu na Universidade Católica. Quando terminei a licenciatura em filosofia tinha 23 anos. Passaram 27. 27 anos a aturar sermões machistas em cerimónias de casamento, homilias patéticas em funerais, todo o tipo de promiscuidade entre a política e a Igreja, a presença de padres em lugares de destaque nas cerimónias públicas de uma República laica, governos rendidos aos interesses da(s) igreja(s) com concordatas, regras fiscais diferenciadas e afins, um Presidente da República, o mais recente, a relativizar os crimes de pedofilia no interior da Igreja, procissões, peregrinações e todo o tipo de celebrações de putativos milagres, mais os espectáculos degradantes de Fátima e das Jornadas Mundiais da Juventude e demais celebrações religiosas, a hipocrisia de hordas de católicos que não só desrespeitam diariamente a mensagem de Jesus como se estão nas tintas para as leis da Igreja de que se dizem fiéis. E podia continuar, três décadas de vida a aturar toda esta dissimulação de virtudes num país que se diz republicano e laico, a ouvir e a calar, a engolir, a respeitar porque o respeitinho é muito bonito. Tentem, pois, imaginar os efeitos de tamanha violência no coração de um ateu militante, mais ainda sempre que ouço essa ladainha patética do "têm de respeitar a nossa cultura e os nossos valores". Respeitem-se antes a vós próprios, sendo verdadeiramente ecuménicos e realmente cristãos, abraçando o outro na sua diferença sem lhe censurarem o credo, amando o próximo no que ele tem de humano. O que uma pessoa tem de humano não está no modo como se veste nem no Deus a que ora, não está no que come ou deixa de comer, não está no jejum do Ramadão nem nos enfartamentos da Páscoa e do Natal, épocas que, diga-se de passagem, são exemplos claros do tartufismo que nos atacou como um vírus intratável. O que uma pessoa tem de mais humano é a capacidade de descobrir o outro, de se aventurar no inesperado e diferente tentando compreendê-lo. A compreensão não é sinónimo de conversão. Não esperem, portanto, dos outros que se convertam aos vossos juízos, façam antes o mínimo esforço para compreenderem porque nem tudo é igual. Eu faço esse esforço todos os dias perante aqueles que se ajoelham a um Deus que eles lá saberão para que lhes seve, façam eles também esse esforço praticando o que apregoam.

Sem comentários: