Costumo dizer, meio a sério,
meio a brincar, que fui baptizado sem saber, fiz a primeira comunhão a
contragosto e tornei-me ateu na Universidade Católica. Quando terminei a
licenciatura em filosofia tinha 23 anos. Passaram 27. 27 anos a aturar sermões
machistas em cerimónias de casamento, homilias patéticas em funerais, todo o
tipo de promiscuidade entre a política e a Igreja, a presença de padres em
lugares de destaque nas cerimónias públicas de uma República laica, governos
rendidos aos interesses da(s) igreja(s) com concordatas, regras fiscais
diferenciadas e afins, um Presidente da República, o mais recente, a relativizar
os crimes de pedofilia no interior da Igreja, procissões, peregrinações e todo
o tipo de celebrações de putativos milagres, mais os espectáculos degradantes
de Fátima e das Jornadas Mundiais da Juventude e demais celebrações religiosas,
a hipocrisia de hordas de católicos que não só desrespeitam diariamente a
mensagem de Jesus como se estão nas tintas para as leis da Igreja de que se dizem
fiéis. E podia continuar, três décadas de vida a aturar toda esta dissimulação
de virtudes num país que se diz republicano e laico, a ouvir e a calar, a
engolir, a respeitar porque o respeitinho é muito bonito. Tentem, pois,
imaginar os efeitos de tamanha violência no coração de um ateu militante, mais
ainda sempre que ouço essa ladainha patética do "têm de respeitar a nossa
cultura e os nossos valores". Respeitem-se antes a vós próprios, sendo
verdadeiramente ecuménicos e realmente cristãos, abraçando o outro na sua
diferença sem lhe censurarem o credo, amando o próximo no que ele tem de
humano. O que uma pessoa tem de humano não está no modo como se veste nem no
Deus a que ora, não está no que come ou deixa de comer, não está no jejum do
Ramadão nem nos enfartamentos da Páscoa e do Natal, épocas que, diga-se de
passagem, são exemplos claros do tartufismo que nos atacou como um vírus
intratável. O que uma pessoa tem de mais humano é a capacidade de descobrir o
outro, de se aventurar no inesperado e diferente tentando compreendê-lo. A
compreensão não é sinónimo de conversão. Não esperem, portanto, dos outros que
se convertam aos vossos juízos, façam antes o mínimo esforço para compreenderem
porque nem tudo é igual. Eu faço esse esforço todos os dias perante aqueles que
se ajoelham a um Deus que eles lá saberão para que lhes seve, façam eles também
esse esforço praticando o que apregoam.

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