Este Verão, numa visita ao Alhambra, cruzei-me com uma
mulher de burca. Foi a única que encontrei num périplo pela Estremadura e
Andaluzia de influência árabe, um périplo que incluiu visitas a inúmeros
sítios, lugares, edifícios, monumentos, museus, onde a presença de pessoas
árabes e muçulmanas era evidente. Esta única mulher estava em família, pelo que
fui levado a crer. Um homem mais velho, um rapaz, uma rapariga, todos em traje
que direi aqui, para simplificar, ocidental, e a mulher de burca. Não sei
porque usava burca, se por vontade própria, se obrigada, se por dever
religioso, ou qualquer outra razão que me escape. Sei que me incomodou, até
comentei isso com mulher e filha. Não gosto, mas paciência. O meu incómodo não
conta para o efeito. Não me incomodou tanto, no entanto, essa mulher de burca,
como me incomodam as notícias sobre violência doméstica, abusos sexuais em
orfanatos, colégios, conventos, seminários católicos, ou outras coisas que são
crime e, por isso, são devidamente proibidos, ainda que nem sempre devidamente
penalizados. E há as freiras que fazem voto de silêncio, o que também me
incomoda, e o negócio dos lenços sobre os ombros à entrada de catedrais ou
outros templos, e coisas assim. Os meus incómodos, no entanto, não têm força de
lei. Num país republicano e laico, como devia ser o nosso mas, na verdade,
nunca foi, porque, reconheça-se, a ICAR esteve sempre de mão dada com o poder e
com um pé dentro e outro fora, quando não com os dois pés e a terceira perna
completamente dentro, num país como o nosso a liberdade religiosa é um bem
consagrado pela Constituição. Eu, que sou ateu, digo: ainda bem. As pessoas que
ao contrário de mim têm fé, pois que tenham a liberdade de a professar. E se
querem andar com terços e crucifixos e batinas e hábitos e mitras e pálios,
mais tapados ou menos tapados, tanto se me dá como se me deu. O mesmo é válido
para a burca. Havendo uma mulher neste país que se sinta obrigada a usá-la
contra vontade (até hoje não soube de nenhum caso), pois que se dirija às
autoridades e a apoiemos no seu processo de libertação. Não sendo assim, o que
está de todo errado é o que a extrema-direita pretende impor ao país: obrigar
quem não se sente obrigado. Se uma mulher que usa burca não for coagida por
ninguém a usá-la, com que direito pode o Estado coagi-la a despi-la?
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