quarta-feira, 15 de outubro de 2025

DISPAM-NAS

 
Este Verão, numa visita ao Alhambra, cruzei-me com uma mulher de burca. Foi a única que encontrei num périplo pela Estremadura e Andaluzia de influência árabe, um périplo que incluiu visitas a inúmeros sítios, lugares, edifícios, monumentos, museus, onde a presença de pessoas árabes e muçulmanas era evidente. Esta única mulher estava em família, pelo que fui levado a crer. Um homem mais velho, um rapaz, uma rapariga, todos em traje que direi aqui, para simplificar, ocidental, e a mulher de burca. Não sei porque usava burca, se por vontade própria, se obrigada, se por dever religioso, ou qualquer outra razão que me escape. Sei que me incomodou, até comentei isso com mulher e filha. Não gosto, mas paciência. O meu incómodo não conta para o efeito. Não me incomodou tanto, no entanto, essa mulher de burca, como me incomodam as notícias sobre violência doméstica, abusos sexuais em orfanatos, colégios, conventos, seminários católicos, ou outras coisas que são crime e, por isso, são devidamente proibidos, ainda que nem sempre devidamente penalizados. E há as freiras que fazem voto de silêncio, o que também me incomoda, e o negócio dos lenços sobre os ombros à entrada de catedrais ou outros templos, e coisas assim. Os meus incómodos, no entanto, não têm força de lei. Num país republicano e laico, como devia ser o nosso mas, na verdade, nunca foi, porque, reconheça-se, a ICAR esteve sempre de mão dada com o poder e com um pé dentro e outro fora, quando não com os dois pés e a terceira perna completamente dentro, num país como o nosso a liberdade religiosa é um bem consagrado pela Constituição. Eu, que sou ateu, digo: ainda bem. As pessoas que ao contrário de mim têm fé, pois que tenham a liberdade de a professar. E se querem andar com terços e crucifixos e batinas e hábitos e mitras e pálios, mais tapados ou menos tapados, tanto se me dá como se me deu. O mesmo é válido para a burca. Havendo uma mulher neste país que se sinta obrigada a usá-la contra vontade (até hoje não soube de nenhum caso), pois que se dirija às autoridades e a apoiemos no seu processo de libertação. Não sendo assim, o que está de todo errado é o que a extrema-direita pretende impor ao país: obrigar quem não se sente obrigado. Se uma mulher que usa burca não for coagida por ninguém a usá-la, com que direito pode o Estado coagi-la a despi-la?

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