sábado, 25 de outubro de 2025

GORGULHO

 
Sempre que ouço falar no orgulho em ser português lembro-me de Francisco Xavier de Oliveira, que no século XVIII falava disto como um relógio atrasado pela Inquisição. Não tenho orgulho em ser português porque só me orgulho do que faço, ter orgulho em ser português é tão ridículo como ter orgulho em ser homem. Calhou assim, por azar ou por sorte. Sei que gosto de Portugal, um pequeno país com uma longa história, repleta, como todas as longas histórias, de factos admiráveis e de outros escabrosos. Ando pelo país e admiro a diversidade do território e das respectivas tradições, alicerçadas numa miscelânea de culturas que, estou certo disso, a maioria dos portugueses desconhece. De resto, o maior vício de Portugal é mesmo a incultura dos portugueses. Já Almada Negreiros o denunciava, e com toda a razão. Veja-se esta conversa em torno da nacionalidade, o crescente discurso de ódio contra a imigração num país que sempre foi de emigrantes e andou a espalhar sémen pelos quatro cantos do mundo, um país que exibe nos subterrâneos do metro frases icónicas de filósofos clássicos - "Não sou ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo". - pelas quais os portugueses passam como cães por vinha vindimada. Depois de termos sido mouros, andámos a copiar espanhóis (já agora, o espanhol foi a língua da nossa corte durante séculos), depois copiámos os italianos, depois os franceses, os ingleses, os alemães. Sempre a reboque do lá fora, cá fomos fazendo a nossa vida dentro discutindo se há uma filosofia portuguesa ou apenas filosofia em Portugal. Eu cá acho que há muita desmemória, pouca educação e, por consequência, uma falta de civismo gritante que redunda em números impressionantes de sinistralidade rodoviária, violência doméstica, grunhice por metro quadrado e num culto da chico-espertice e da hipocrisia - herança católica - que faz de nós, os portugueses, um povo desmerecedor das variantes de bacalhau encontradas de norte a sul do país. Portanto, não me venham cá com o orgulho em ser português, que o José Sócrates, o Joe Berardo, a Dona Branca, o Duarte Lima e a Rosa Grilo também são. Eu estou cada vez mais com o saudoso João César Monteiro: "Não vogando já na doce ilusão de uma sociedade sem classes, concordei em aceitar viver numa sociedade sem classe." De preferência, à distância. De mim e dos outros, acrescento.

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