A quantidade de portugueses de bem regozijados com a atribuição do último Nobel da Paz deixa-me, no mínimo, desconfiado quanto à justeza da decisão do comité escandinavo. Não gosto de Maduro, nunca gostei, mas desagrada-me ainda mais a legitimação que os responsáveis de regimos ditos democráticos fazem de gente afecta a uma extrema-direita que, lá por ser populista, não passou a ser menos execrável do que sempre foi, desde logo por pretender impor a todos um padrão de vida e de pensamento, uniformizando o que é naturalmente disforme, inquinando o debate com ruído, disseminando ódio, seja ele racial ou de género ou ideológico. Facto é que as democracias são vulneráveis por não saberem defender-se de quem as ameaça, o que explica o estado actual dos EUA e de uma UE refém desta gente que ainda há não muito tempo se reuniu numa cimeira dos Patriotas pela Europa, onde André Ventura apelou à "reconquista da Europa cristã" e Viktor Orbán, Marine Le Pen, Matteo Salvini, Geert Wilders, Santiago Abascal, discursaram contra a ditadura global de organizações como a UE, a ONU, a OMS e o TPI. Talvez valha a pena recordar outro Nobel, este da Literatura, que na sua defesa indefectível da paz contra a guerra e a tortura publicou no Guardian, em 1996, um artigo em que dizia o seguinte: "Os crimes dos EUA por todo o mundo foram sistemática, constante, clínica, desumana e integralmente documentados mas ninguém fala deles. Nunca ninguém o fez. Provavelmente não vale a vida de um jornal ou de um canal de TV." E numa carta aberta publicada no mesmo jornal dois anos depois, lembrava: "Os EUA têm apoiado, subsidiado e, em muitos casos, engendrado todas as ditaduras militares de direita no mundo desde 1945. Refiro-me, por exemplo, a Guatemala, Indonésia, Chile, Grécia, Uruguai, Filipinas, Brasil, Paraguai, Haiti, Turquia, El Salvador. Centenas de milhares de pessoas foram assassinadas por estes regimes mas o dinheiro, os recursos, o equipamento (de todo o tipo), a informação, o apoio moral, vinha das sucessivas administrações americanas." As palavras de Harold Pinter deviam ser suficientes para, pelo menos, refrear o entusiasmo e pensar, procurando aprender um pouco com a história. Mas parece que há cada vez menos gente interessada nesse caminho. A apatia, a indolência, o desinteresse, a letargia são maná para uma extrema-direita em regimes democráticos confortável e displicentemente instalados nas suas parcas conquistas, as quais, como se viu num passado não muito distante, tão depressa são e estão como deixam de ser e de estar.

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