Ontem telefonei a um amigo para lhe pedir
um contacto, motivação interesseira tantas vezes na origem do que nos leva a
falar uns com os outros. Lá desabafámos sobre a vida em que andamos metidos,
com respectivas queixas sobre o mundo e a dificuldade crescente de arrancar o
povo às redes e lixo televisivo. Depois fui trabalhar e depois do trabalho
continuei a trabalhar, até que, num finalmente momento de pausa, cometi o
pecado de, também eu, pegar no telemóvel e espreitar o fluxo noticioso. Devia
ter ido a um café beber um copo de vinho, ler mais umas páginas do Nuno
Bragança, fazer um desenho, escrever meia dúzia de linhas. Pequei. A primeira
coisa que me apareceu no telemóvel foi um vídeo de uma praxe em Tomar, com
humilhados enfileirados, de joelhos, e um imbecil aos berros convencido de que exercia
sobre os outros uma qualquer forma de poder indistinguível da humilhação
infligida por altas patentes a soldados rasos. Que pessoas andamos nós a
formar?, interroguei-me. E nisto de me interrogar pensei nos pais daqueles
rapazes e daquelas raparigas, no que andarão a fazer e no que fizeram ou não
fizeram para transmitir alguns valores. Quais? Ocorreram-me igualmente queixas
de ex-colegas sobre o ambiente nas salas de professores, com cada vez mais
docentes desavergonhadamente racistas, xenófobos, homofóbicos, escudando-se em
declarações preconceituosas e estereotipadas sobre a sociedade em que vivem e
pela qual têm enorme responsabilidade. Pensei nos cartazes racistas do partido
que não quer ser chamado de racista, tal como os estúpidos que não querem ser
chamados de estúpidos porque, enclausurados na sua estupidez, são incapazes de
reconhecer que lhes falta qualquer coisa - estudo, trabalho, humildade - para
serem minimamente informados. Nisto de tanto pensar vim para casa, deitei-me no
sofá a ouvir o relato do Sporting na CMTV, ou seja, num canal de televisão
execrável que me oferecia gente a ver bola e a comentar o que via. Nas
notícias, mais um grupo de adolescentes que violou uma rapariga de 14 anos e
exibiu as imagens nas redes sociais, isto depois de termos começado o ano com
influencers a violarem uma menor em Loures e ainda há dias termos dado com uma
mãe assassinada pelo filho de 14. Nada disto é ou pode ser por acaso, tudo isto
está relacionado com o clima de ódio e a cultura do medo que promovemos com
descaso e permissividade. Da ausência de valores e educação no seio familiar à
desumanização do ensino, passando pelas praxes e acabando nos exemplos dados
com cartazes e deputados aos berros, o caminho para o pior está desbravado.
Resta saber como invertê-lo. A ver a CMTV não é de certeza. Isto, de facto, não
é o Bangladesh. Isto é uma latrina cada vez mais irrespirável.
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