sexta-feira, 31 de outubro de 2025

O DIA DE ONTEM

Ontem telefonei a um amigo para lhe pedir um contacto, motivação interesseira tantas vezes na origem do que nos leva a falar uns com os outros. Lá desabafámos sobre a vida em que andamos metidos, com respectivas queixas sobre o mundo e a dificuldade crescente de arrancar o povo às redes e lixo televisivo. Depois fui trabalhar e depois do trabalho continuei a trabalhar, até que, num finalmente momento de pausa, cometi o pecado de, também eu, pegar no telemóvel e espreitar o fluxo noticioso. Devia ter ido a um café beber um copo de vinho, ler mais umas páginas do Nuno Bragança, fazer um desenho, escrever meia dúzia de linhas. Pequei. A primeira coisa que me apareceu no telemóvel foi um vídeo de uma praxe em Tomar, com humilhados enfileirados, de joelhos, e um imbecil aos berros convencido de que exercia sobre os outros uma qualquer forma de poder indistinguível da humilhação infligida por altas patentes a soldados rasos. Que pessoas andamos nós a formar?, interroguei-me. E nisto de me interrogar pensei nos pais daqueles rapazes e daquelas raparigas, no que andarão a fazer e no que fizeram ou não fizeram para transmitir alguns valores. Quais? Ocorreram-me igualmente queixas de ex-colegas sobre o ambiente nas salas de professores, com cada vez mais docentes desavergonhadamente racistas, xenófobos, homofóbicos, escudando-se em declarações preconceituosas e estereotipadas sobre a sociedade em que vivem e pela qual têm enorme responsabilidade. Pensei nos cartazes racistas do partido que não quer ser chamado de racista, tal como os estúpidos que não querem ser chamados de estúpidos porque, enclausurados na sua estupidez, são incapazes de reconhecer que lhes falta qualquer coisa - estudo, trabalho, humildade - para serem minimamente informados. Nisto de tanto pensar vim para casa, deitei-me no sofá a ouvir o relato do Sporting na CMTV, ou seja, num canal de televisão execrável que me oferecia gente a ver bola e a comentar o que via. Nas notícias, mais um grupo de adolescentes que violou uma rapariga de 14 anos e exibiu as imagens nas redes sociais, isto depois de termos começado o ano com influencers a violarem uma menor em Loures e ainda há dias termos dado com uma mãe assassinada pelo filho de 14. Nada disto é ou pode ser por acaso, tudo isto está relacionado com o clima de ódio e a cultura do medo que promovemos com descaso e permissividade. Da ausência de valores e educação no seio familiar à desumanização do ensino, passando pelas praxes e acabando nos exemplos dados com cartazes e deputados aos berros, o caminho para o pior está desbravado. Resta saber como invertê-lo. A ver a CMTV não é de certeza. Isto, de facto, não é o Bangladesh. Isto é uma latrina cada vez mais irrespirável. 

Sem comentários: