Chen-Té: Sim, sou eu, Chui-Tá e Chen-Té. Sou ambos.
Vossa ordem de outrora:
Ser boa e viver apesar disso
Partiu-me em duas metades como um raio.
Sei lá como isso aconteceu: não cosneguia
Ser boa para os outros e ao mesmo tempo para mim.
Ajudar os outros e ajudar-me
Era duro de mais.
Ah! que complicado é o vosso mundo!
Miséria de sobra, desespero de sobra!
A mão que se estende ao miserável
Logo ele a arranca! Quem ajuda os perdidos
Está perdido também! Pois quem será capaz
De negar-se a ser mau, se os que não comem carne
Morrem de certeza?
Donde havia eu de tirar
Tudo o que lhes faltava? Só de mim?
Mas então morreria!
O peso das boas intenções
Deixava-me de rastos, esmagada.
Mas quando eu fazia mal
Tornava-me poderosa e comia carne boa!
Alguma coisa deve estar errada
Nesse mundo que é o vosso. Porque será
Que a maldade é premiada e os bons
São duramente castigados? Ai havia em mim
Um tal desejo de fazer bem! E havia em mim também
Uma secreta sabedoria, pois minha ama
Lavava-me na água das valetas!
Isso deu-me olhos de lince. Mas a piedade
Causava-me tamanha dor, que eu mudava-me,
Frente à miséria, em loba furiosa,
Sentia que me transformava,
Que os meus lábios se tornavam beiços.
Como dizia na boca era a palavra bondosa. E no entanto
Gostava de ser o anjo dos subúrbios. Dar
Era um prazer tão grande para mim! Rosto feliz
Que eu visse, logo nas nuvens me sentia.
Condenem-me: tudo o que fiz
Foi para ajudar os meus vizinhos,
Para amar o meu amor e
Para salvar o meu filho da miséria.
Comparada aos vossos planos grandiosos
Ó deuses
Eu, pobre criatura, que pequena era!
Bertolt Brecht, in A Boa Alma de Sé-Chuão, publicada conjuntamente com Ti Coragem e os Seus Filhos, in Teatro I, tradução de Ilse Losa, poemas traduzidos por Jorge de Sena (Ti Coragem e os Seus Filhos) e Alexandre O'Neill (A Boa Alma de Sé-Chuão), Portugália Editora, Lisboa, 1961, pp. 308-309.

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