OS SAMURAIS
Os samurais subiam às cerejeiras
penduravam-se nos ramos
até darem flor
esmagavam as cerejas como quem quebra nozes
no dorso da mão
e besuntavam o corpo com o suco da polpa
para ficarem mais próximos do sangue
depois
cuspiam os caroços até perfurarem a carne
no sentido do coração
É bom saber que o ritual permanece vivo
que os poetas continuam a descer à página
para aí
esmagarem poemas
como quem amassa frutos
É bom saber que as folhas afiadas de versos
ainda nos podem lavrar o sangue
no sentido do coração
*
CAIS
Agora que embarcados rumamos ao sol nascente
na traineira que outrora sabíamos abandonada
talvez se aproxime de novo a luz que nos separou
porque o amor não é apenas o outro lado do ódio
é também uma calha de afectos e reencontros
ainda que no cais onde ancorámos a solidão
tenha ficado para sempre o medo de sermos um
Agora que embarcados rumamos ao sol nascente
naufraguemos de novo os corpos num mar de cetim
para que não mais a luz se dispa da sombra
para que não mais os dedos sangrem de espera
Henrique Manuel Bento
Fialho, in “CEREJAS - Poemas de Amor
de Autores Portugueses Contemporâneos”, antologiados por Gonçalo Salvado,
com imagens seleccionadas por Maria João Fernandes, abertura de Eduardo
Lourenço, posfácio de António Ramos Rosa, Editorial Tágide, Junho de 2004, pp.
203-204.
Poemas de: Rita Taborda
Duarte, Nuno de Figueiredo, Joaquim Cardoso Dias, Orlando Neves, Fiama Hasse
Pais Brandão, João Pedro Mésseder, Gonçalo Salvado, Maria João Fernandes,
Eugénio de Andrade, Ruy Belo, Cristovam Pavia, Maria de Lourdes Hortas, José
Manuel Mendes, José Bebiano, António Gedeão, Victor Oliveira Mateus, Pedro
Homem de Mello, José Acácio Castro, Miguel Torga, Dinis Guarda Vindeirinho,
Francisco Duarte Mangas, Edgar Carneiro, Luís Filipe Maçarico, Armindo
Rodrigues, Mário Dionísio, Sandra Costa, Maria Teresa Dias Furtado, Ana Rita
Calmeiro, Pedro Tamen, Ana Hatherly, Casimiro de Brito, Natália Correia, José
Carlos Gonzalez, Maria do Sameiro Barroso, Rosa Lobato Faria, Isabel Cristina
Pires, Joaquim Pessoa, Miguel Barbosa, Lídia Jorge, João Rui de Sousa, António
Salvado, Fernando Echevarria, Flor Campino, Maria Teresa Horta, E. M. de Melo e
Castro, Vasco graça Moura, Henrique Levy, Maria de Lourdes Belchior, Albano
Martins, Teixeira de Pascoaes, Carlos Lopes Pires, Sebastião Alba, Nuno Júdice,
António Garcia Romão, Ruy Ventura, José Correia Tavares, José Carlos de
Vasconcelos, Manuel Silva Terra, Luís Filipe Borges, Vitorino Nenmésio, Pedro
da Silveira, Artur Cruzeiro Seixas, Pedro Mexia, Alexandre O’Neill, José Carlos
Ary dos Santos, Francisco José Viegas, João Camilo, Henrique Manuel Bento
Fialho, Fernão de Magalhães Gonçalves, Sophia de Mello Breyner Andresen,
Liberto Cruz, Maria Amélia Neto, Paulo Ramalho, José Jorge Letria, Egito
Gonçalves, Rosa Alice Branco, Amélia Vieira, Matilde Rosa Araújo, Teresa Balté,
Adília Lopes, Fernando Grade, Fátima Maldonado, Al Berto, José Gomes Ferreira,
A. M. Pires Cabral, António Ramos Rosa.
Desenhos de: José de
Guimarães, Ângelo de Sousa, Ana Hatherly, Gonçalo Salvado, José da Conceição,
Júlio, Júlio Resende, Luís Darocha, Maria Gabriel, Ribeiro Farinha, João
Cutileiro, Graça Moraes, Carmo Pólvora, António Ramos Rosa, Miguel Barbosa,
Francisco Simões, João Moniz, Ambrósio, António Garcia Romão, António Carmo,
Fernando Grade, Laura Cesana, Dorindo de Carvalho, Henrique Mourato, Leonel
Moura, Isabel Lhano, Siza Vieira, José Rodrigues, Maria João Fernandes, Lima de
Freitas, José Alberto Reis Pereira, Júlio Pomar.
penduravam-se nos ramos
até darem flor
esmagavam as cerejas como quem quebra nozes
no dorso da mão
e besuntavam o corpo com o suco da polpa
para ficarem mais próximos do sangue
cuspiam os caroços até perfurarem a carne
no sentido do coração
que os poetas continuam a descer à página
para aí
esmagarem poemas
como quem amassa frutos
ainda nos podem lavrar o sangue
no sentido do coração
na traineira que outrora sabíamos abandonada
talvez se aproxime de novo a luz que nos separou
é também uma calha de afectos e reencontros
ainda que no cais onde ancorámos a solidão
tenha ficado para sempre o medo de sermos um
naufraguemos de novo os corpos num mar de cetim
para que não mais a luz se dispa da sombra
para que não mais os dedos sangrem de espera

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