segunda-feira, 4 de julho de 2005

CANTO DE MAR - uma antologia de poesia sobre a Nazaré

 


SE ALGUM DIA VOLTARMOS À NAZARÉ
 
Há alguns anos
antes de virmos para o rio Kamp pescar garoupas
era costume besuntarmos o corpo com argila
fazermos dos ossos estigma
como a pegada do cavalo no Sítio
que tu nunca conseguiste ver
 
Procurávamos lagostas nas rochas
protegíamo-nos com castelos de areia
quando uma onda maior nos ameaçava
era na corda das bóias que sabíamos estar a salvação
dum iminente afogamento
 
Resolvíamos sopas de letras com areia
jogávamos cartas contra o vento
brindávamos as barracas de pijama
com baldes cheios de água salgada
e
só uma vez
com o mijo que nos empalideceu
 
Mas
de tudo
o que mais apreciávamos
era podermos vazar o lixo depois do jantar
largar o balde junto ao contentor
e fugir noite dentro em correria
à procura duma liberdade
que sabíamos estar à nossa espera nas ruas
 
Se algum dia voltarmos à Nazaré
será com a carteira recheada de marisco
com as unhas dos pés presas ao alcatrão
e com as mãos atadas aos recibos verdes
a que votámos a liberdade dos nossos dias presentes
 
Isto
se algum dia lá voltarmos
coisa de que duvido por já não me parecer
possível
 


Henrique Manuel Bento Fialho, in “Canto de Mar – uma antologia de poesia sobre a Nazaré”, organização e selecção dos textos por Alexandre Isaac e Mário Galego, colecção Bico da Memória, Edição Biblioteca da Nazaré, 2005, pp. 31-32.
 
Poemas de Afonso Lopes Vieira, Alexandre Isaac, António Borges Coelho, António Feliciano de Castilho, António Jacinto Pascoal, António Osório, Armando Sales Macatrão, Augusto Oliveira Mendes, Aurelino Costa, Casimiro de Brito, Epiphanio de F. e Souza, Henrique Manuel Bento Fialho, Jaime Rocha, Joaquim António Emídio, Jorge Reis-Sá, Jorge Velhote, José Antunes Ribeiro, José do Carmo Francisco, José Luís Peixoto, José Soares, Levi Condinho, Luís Paulo Meireles, m. parissy, Manuel de Arriaga, Mário Botas, Miguel Torga, Murilo Mendes, Nicolau Saião, Nuno Rebocho, Paulo Reis Mourão, Pedro Silva Sena, Rui Serafim, Ruy Ventura.


Sem comentários: