Há filmes que mais valia ficarmos calados. Parecem tão perfeitos em tudo que qualquer palavra a seu respeito ganha a dimensão de sacrilégio. Só porque nunca fui de me conter nas palavras, nem de exaltar o significado dos meus pecados, é que vou dizer qualquer coisa acerca do mais recente filme de Jacques Audiard (n. 1952): De battre mon coeur s'est arrêté (2004). Primeiro o título, traduzido para português assim: De Tanto Bater O Meu Coração Parou. Prova de que para grandes poemas não são necessárias muitas palavras. Prova de que um título, um título de um filme, pode valer, em qualquer que seja a abordagem feita, a essência de um poema. De tanto bater o meu coração parou é uma frase simples, um desses versos aos quais apenas chegam os grandes poetas. Simples sem, no entanto, deixar de ser difícil. E mais difícil ainda porque nos obriga a descobrir nos trilhos da sua musicalidade o fim a que nos destina. Porque para afirmar que o meu coração parou, é preciso estar-se vivo. E para se estar vivo, é fundamental que o coração não nos tenha parado. Ou talvez não. Talvez aquele coração que parou seja não o coração órgão, mas antes o coração afectivo… esse coração que anda desde sempre na ponta da língua dos poetas e quer dizer coisas tão diversas como amor, sentimento, afecto, intuição. Lugar de revelação, o coração tem, nas palavras de Blaise Pascal, «as suas razões que a razão desconhece». É aí que entra Romain Duris, o actor que superiormente interpreta em Tom a personagem de todos os nossos pesadelos: o homem travado no filho doméstico, o ser que se cala sob o ruído das obrigações e dos deveres por mais mesquinhos que estes sejam, o rapaz com um coração cheio de razões que a razão desconhece. É preciso matar o pai, mas dizer Édipo é feio. Já não se usa. Que dizer então de Tom? Pois, que é um filho que investe no pai a ausência da mãe… desaparecida, mas tão presente quanto a restante matéria bruta que nos vai sendo atirada contra as fuças no discorrer da história. Que este filme tem uma história, até bem simples e facilmente atendível. Mas eu teimo em achar que nos filmes com histórias simples a história é o que importa menos. Por isso fui logo avisando, há filmes que mais valia estar calado. Procurem nos jornais este Tom frenético, acelerado, irrequieto, desassossegado, trafulha e, no entanto, sensível. Tão sensível quanto recalcados dentro de um homem podem estar todos os seus sentimentos, barrando-nos os dedos, travando-nos os gestos, amarrando-nos com grilhões invisíveis os braços tensos, inúteis para tudo o que não seja porrada. Filme de tensões, como se diz, no fio da navalha. Nada de navalhas, pulsos. Tudo é pulsos neste filme, pulsos à beira de serem cortados. Para mim é o filme do ano, arrisquem outro se quiserem. Estou-me nas tintas. E não se esqueçam que eu fui logo avisando: há filmes que mais valia ficarmos calados.
Sem comentários:
Enviar um comentário