quinta-feira, 16 de março de 2006

COLISÃO

Colisão, de Paul Haggis, granjeou o Óscar de melhor filme na edição deste ano dos prémios cinematográficos de Hollywood. Eu, que acabei de o ver, até consigo entender porquê: a academia gosta de premiar filmes sofríveis que vão ao encontro das expectativas comerciais. Tem sido quase sempre assim, mesmo quando assim não foi. A título de exemplo, vejamos o que temos nos últimos 10 anos: Braveheart, The English Patient, Titanic, Shakespeare in Love, American Beauty, Gladiator, A Beautiful Mind, Chicago, The Lord of the Rings: The Return of the King e Million Dollar Baby. Pensem bem e depois digam-me se algum destes mereceria entrar no vosso top 10 pessoal? Colisão é basicamente uma adaptação ardilosa do excelso Magnólia, de Paul Thomas Anderson. O problema é que o que este tem de arriscado, nomeadamente um remate tão épico quão desconcertante, Colisão limita-se a ter de… certinho e direitinho. Dizer que se trata de um filme polémico é passar um atestado de estupidez a qualquer cidadão menos adormecido. Não que seja um filme pacífico, mas está longe de ser polémico - no sentido de nos propor algo que nós não estejamos já fartos de saber. Há séries televisivas bem mais polémicas. Pode-se no entanto encontrar algo mais neste filme do que uma mera abordagem à complexidade dos problemas étnicos na sociedade americana. À primeira vista, a colisão que aqui se opera é uma colisão de cariz social. Mas há outra, também ela implícita em todas as personagens, que me parece bem mais interessante: trata-se da colisão do homem consigo mesmo. O que cada uma das personagens de Colisão nos oferece é uma representação do encontro do indivíduo com as suas contradições, sempre a partir do confronto com o outro, em situações diversas, onde o outro aparece ao mesmo tempo como anjo e demónio, princípio de erosão e de salvação. Deste modo, as relações que se operam em Colisão são sempre ambivalentes, marcadas tanto pelo ódio ao outro, esse ódio com raiz na diferença da cor da pele, como pelo amor, um amor que se erige na descoberta da humanidade que reside no íntimo de cada um. Politicamente correcto, pois então. Todas as personagens vivem este conflito, embora o polícia interpretado por Matt Dillon seja especialmente interessante. Até neste ponto a colagem a Magnólia é inevitável, dado que também nesse filme era um polícia quem mais nos atraía do princípio ao fim da película. Neste caso trata-se de um agente com comportamentos racistas, relacionados com frustrações ligadas ao passado familiar, que, às páginas tantas, se vê em mãos com a necessidade de auxiliar num acidente de viação uma das suas vítimas. Anteriormente provocada e humilhada pelo agente, esta mulher tem agora a sua vida nas mãos de alguém por quem ela não deseja sequer ser tocada. Essas cenas em que, mais ou menos acidentalmente, se processa a tal colisão íntima são recorrentes, pontuando a narrativa na direcção de um fim que, aqui ao contrário de Magnólia, nunca chega a suceder. Apenas neva. Convenhamos que neve em Los Angeles fica bastante aquém de uma monumental chuva de sapos. No entanto, a forma como essas cenas são filmadas, em câmara lenta e com banda sonora sentimental de fundo, esvazia-as por vezes de conteúdo. Em mim obtiveram o resultado de um enfado que fui procurando ultrapassar com a racionalização possível do que, de outra forma, merecer-me-ia apenas a complacência que uma novela mexicana me merece.

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