Decepcionante é o que merece ser dito sobre o primeiro número anual da revista LER. Assinante da mesma há quase dez anos, não deixa de ser com pesar que o afirmo. A LER desapareceu, não há mais LER. Não faz sentido manter o mesmo formato com intenções bem mais exigentes: balancete de um ano de actividade literária. Os balanços não se fazem assim. Pelo menos, enquanto leitor, não me interessam balanços destes. Sobre o essencial, já outros disseram o que eu poderia dizer. Atenho-me à poesia. Eduardo Pitta, a quem devo, por culpa de O Som & O Sentido, fortes estímulos à leitura de poesia, esforça-se por disfarçar o incómodo lembrando o óbvio: «Qualquer balanço que se preze traduz uma escolha». No entanto, ainda que traduzindo uma escolha, não é um balanço que se preze aquele levado a cabo no n.º 68 da LER. O facto de nenhum dos títulos referidos ter sido comentado anteriormente no mesmo espaço, também não desculpa a pobreza da selecção e as lacunas imperdoáveis. Dos dez livros escolhidos, cinco são antologias ou reuniões de obra: Os Pré-Rafaelitas (trad. Helena Barbas), Os Poemas, de Konstandinos Kavafis (trad. Joaquim Manuel Magalhães), Antologia, de Wallace Stevens (trad. Maria Andresen de Sousa), Cântico Negro, de José Régio (orgs. Luís Adriano Carlos e valter hugo mãe), Poesia Reunida 1990-2005, de Ana Luísa Amaral. Quanto à qualidade dos mesmos, nada a dizer. Acresce que as restantes opções acabam por negligenciar sobremaneira os originais de 2005, deixando no ar a ideia de que em 2005 nada de novo aconteceu. Senão veja-se: Sete Livros Iluminados, de William Blake (trad. Manuel Portela), O Homem da Viola Azul, de Wallace Stevens (trad. Maria Adelaide Ramos), Laoconte, Rimas Várias, Andamentos Graves, de Vasco Graça Moura, A Cidade e os Livros, de António Cícero, Mútuo Consentimento, de Helder Moura Pereira. Sem querer menosprezar a qualidade das traduções, das obras reunidas, das antologias, até mesmo das inclinações idiossincráticas do crítico, inquieta-me que seja esta a imagem a passar de "um 2005 poético". Há muitos outros livros de qualidade indubitável que, sendo mais ou menos do nosso agrado, não podem ser negligenciados em prol de uma poesia que já tem o seu lugar reservado na história. Seria assim tão arriscado mencionar Os Fantasmas Inquilinos, de Daniel Jonas, Falsa Partida, de Fernando Luís Sampaio, Logros Consentidos, de Inês Lourenço, Lacrimatória, de Jaime Rocha, Requiem, de Jorge Gomes Miranda, Movimentos no Escuro, de José Miguel Silva, A Ordem do Mundo, de Rui Coias, ou mesmo A Nuvem Prateada das Pessoas Graves, do Rui Costa? Estes são apenas alguns exemplos de livros de 2005 que convinha não esquecer, ao lado de outros cuja memória é já uma garantia. E porque estou com a mão na massa, deixem-me confessar-vos que julgo mesmo inadmissível o ostracismo a que tem sido condenado o livro do Rui Costa. Aquando da emissão do programa Livro Aberto dedicado aos melhores livros de 2005, segundo lista resultante de votação online, senti que algo não estava bem. Sinto-me à-vontade para dizê-lo, dado não ter votado na tal lista, prevendo até resultados risíveis que teriam na sua origem os “particularismos das relações online”. Seja como for, e a ideia não foi minha, o livro do Rui lá estava entre os três mais votados. Pedro Mexia brincou com a situação, fazendo chalaça sobre o assunto. Qualquer coisa do género: Eliot e Costa, a mesma selecção. Pitta limitou-se a dizer que não sabia quem era o senhor Costa. Ninguém esperava, ninguém espera, que se saiba quem é o senhor Costa. Apenas se exigia alguma curiosidade acerca do livro, para mais vencedor da primeira edição de um prémio atribuído por uma editora que ninguém naquela mesa desconhecia. A verdade é que passaram seis meses, os balanços estão feitos e para a história de 2005 nem esse nem outros livros contarão. Pelo menos para a história de hoje. Que a história do amanhã, só o tempo dirá.
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