zona de perda - livro de albas é o sexto livro de poesia de Pedro Sena-Lino (n. 1977) e o primeiro para a Objecto Cardíaco, cuja colecção «aorta» conta já com três transferências de peso do catálogo das Quasi Edições: valter hugo mãe, ex-editor das Quasi e actual editor da Objecto Cardíaco, Jorge Melícias e o próprio Pedro Sena-Lino. Nas Quasi, tinha o crítico do suplemento Mil Folhas publicado biofagia (2003) e deste lado da morte ninguém responde (2005). Este último, quanto a mim, o melhor dos seus livros. O que havia de bom nesse livro, tenta o poeta manter no presente volume. Mas se em deste lado da morte ninguém responde os poemas transpiravam o desassossego da morte com impressionante transparência, o mesmo apenas acontece a espaços em zona de perda – livro de albas. Ambos os livros são feitos da mesma matéria, um modo muito íntimo de "vivenciar" a morte, a perda, o fim. O complexo lexical mantém-se inalterado, conferindo a estes livros um carácter de obra raramente observado com tanta consistência na poesia portuguesa mais actual. Palavras como «morte», «corpo», «noite», «Deus», «janela», «árvore», são recorrentes nestes versos. Assim como o envio para uma interioridade que pode ocorrer em modos diversos: «chegaste tão de dentro de mim mesmo» (p. 12), «sabia como dói a água / que se nasce dentro» (p. 15), «espero-te dentro de mim» (p. 19), «ninguém se levanta dentro do seu próprio coração» (p. 20) ou «da minha janela não se vê mais nada / ouve-se o silêncio contra mim / e chove a morte contra os vidros / por dentro como soa o fim» (p. 32). Acontece que esta vocação lírica, quanto a mim tão legítima quanto outra qualquer, é por vezes prejudicada por formatos já gastos e, por isso, algo entediantes. Se o livro anterior de Pedro Sena-Lino ganhava com uma clara e obsessiva concentração do discurso numa imagem poética – a da morte crescendo sobre o corpo -, este tomo mais recente perde-se em imagens que se sobrepõem umas às outras. Resulta o facto num exercício competente da linguagem, mas numa poesia demasiado afectada pelos ornamentos discursivos. Digamos que algumas destas estrofes são como peças de fruta luzidias mas de qualidade duvidosa: «não havia fim as sombras intercalavam sombras / os abismos circulavam em sangue pelas árvores / estrelas choviam a terra / eu era como Deus / quando vê nascer de si o amor que o recria / tão feridamente omnipotente» (p. 16). Um pouco mais à frente, no mesmo poema: «ardiam cidades no meu sono / enquanto o teu corpo inundava catedrais esmagadas / uma mentira atravessou o meu corpo / do ventre de minha mãe à ardida poeira da terra / o mar queimou o mar / e nada passou a ser tudo» (p. 17). Não está aqui em causa a beleza destes versos, muito menos a competência de quem os escreveu. Interrogo-me apenas sobre os mecanismos que estiveram na origem dos mesmos. Sendo o corpo lugar de inscrição por excelência, estes poemas pecam por serem apenas de um lado do corpo: o lado de dentro. As inquietações que denotam são constantemente aquietadas pela procura do efeito estético, do verso perfeito, da beleza delico-doce: «queria morrer contigo / não queria morrer de ti» (p. 26). Há, sem dúvida, uma dimensão metafórica nesta poesia que a coloca entre as melhores do género na sua geração. O que a torna menos cativante neste livro não é tanto a criatividade com que o poeta a impõe, mas antes a tonalidade que a mesma adquire na forma como é conduzida.
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