quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

O MUNDO DO SILÊNCIO


Rever Le Monde du Silence, de Jacques-Yves Cousteau e Louis Malle, a esta distância de 50 e qualquer coisa anos, pode ser uma experiência fascinante. Curiosamente, uma das minhas cenas preferidas não se passa debaixo do mar nem é particularmente silenciosa. Trata-se daquele momento em que a tripulação do Calypso descansa, sob um calor tórrido, enquanto espera por terra à vista. Alguns dormem, outros banham-se em água fresca, um fuma cachimbo, outro lê, deitado numa espreguiçadeira, e há até um elemento da tripulação que toca violoncelo. Aquele momento de mero lazer é extraordinário, pois mostra-nos o que se pode fazer quando nada há para ser feito. Ontem, em conversa com um amigo, falávamos precisamente da televisão enquanto elemento aglutinador dos tempos livres. Recordávamos com nostalgia as nossas brincadeiras no rio, nos pomares, a jogar à bola, a brincar aos tropas, a caçar pardais, a experimentar o mundo. Depois lembrámo-nos de um episódio dos Simpsons, com uma cena bastante elucidativa de qualquer coisa que ainda não está tão bem explicada como possa parecer. A dada altura desse episódio há uma quebra no serviço televisivo e a população de Springfield sai toda para a rua, divertindo-se com as mais diversificadas ocupações; quando o serviço televisivo é reposto, as ruas ficam desertas, a população regressa em massa para os seus lares e senta-se a ver televisão. A televisão aqui deve ser considerada como símbolo da parafernália tecnológica que a maior parte das famílias do mundo dito desenvolvido tem hoje ao seu dispor dentro das suas casas. Bem sei que a noção de "qualidade de uma sociedade" é um pouco espúria, mas não resisto a aplicá-la neste sentido: creio que "a qualidade de uma sociedade" se reflecte muito na forma como as pessoas ocupam os seus tempos livres. Refiro-me à qualidade num sentido de maturidade, sociabilidade, civilidade, etc. Ora, não me parece que passar os tempos livres especado frente a uma televisão ou a um computador, a praticar a arte do zapping ou da navegação sem naufrágios, seja um caminho muito promissor. Esta questão preocupa-me por três razões especiais: sou pai de duas filhas, formador de muitos jovens, viciado em weblogs. Em qualquer um dos casos, o que me assusta é a forma como tantas e tantas vezes a realidade se subtrai ao que as tecnologias da informação, sejam elas quais forem, nos mostram. Passando as pessoas cada vez mais tempo dos seus tempos livres em ameno transe tecnológico, muita da tal qualidade de vida é colocada em cheque. Há alguns dados preocupantes sobre o tema: menor capacidade de concentração, maior conformismo, apaziguamento da curiosidade – provocada pela ideia de que se sabe tudo pelo simples facto de tudo ser dado a ver com a maior das facilidades -, indiferença, entre outros que podem resumir-se numa palavra: estupidificação. Por tudo isto vos digo, caros leitores-irmãos, larguem desde já os computadores, saiam de casa, vão ao café, falem com os vossos vizinhos, procurem um jardim, dêem um passeio na praia, vão brincar para junto de um rio, vão à pesca, libertem-se quanto antes deste inferno tecnológico se não querem ficar como eu. E longe de querer parecer o Padre António Vieira do Sermão de Santo António aos Peixes, permitam-me que vos lembre o essencial antes de virem com conversas para a caixa dos comentários: «Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam.» Por isso mesmo agora vos deixo, com o Jojo no coração, pois bem melhor faria se fosse pregar às criaturas do Monde du Silence.

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