quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

POESIA NORTE-AMERICANA

Manuel de Seabra seleccionou, traduziu, prefaciou e anotou esta Antologia da Novíssima Poesia Norte-Americana, publicada pela Editorial Futura, em 1973. Adquiri o meu exemplar através dos excelentes serviços on-line da Livraria Letra Livre. São cerca de trinta poetas, cujo critério de selecção foi devidamente explicado no prefácio: «Ao pretender organizar uma antologia da novíssima poesia norte-americana, foram postos automática e naturalmente de lado os fundadores do Modernismo, que seriam imprescindíveis numa antologia da poesia moderna». O que temos, portanto, é um leque relativamente abrangente de autores relacionados, de uma forma ou de outra, com a Beat Generation ou os associados ao famoso Black Mountain College. Toda esta poesia deixou de ser novíssima, mas muito dela permanece, "para mal dos nossos pecados", actual. Sobretudo quando manifesta uma vontade de sacudir valores ainda hoje radicados no império do consumismo ocidental, assim como uma atitude de ruptura com preconceitos literários que, quer queiramos quer não, resistem teimosamente no mais-conservador-do-que-seria-de-esperar mundo das letras. Alguns destes poetas foram não apenas autores de poemas, no sentido convencional de um mercado que enclausura a poesia em volumes muito arrumadinhos que depois saltam de livraria em livraria à procura de um lugar ao sol das cátedras, mas também leitores de voz alta, performers, agitadores, gente que não prescindiu de cuspir contra um sistema que remete constantemente os escritores para o plano do decorativo. Muitos destes poetas deram o corpo ao manifesto, outros terão também, com o tempo, dado ao manifesto um corpo aburguesado, desistente, conformado. Contas que não nos cabem. O que nos cabe é ressalvar esse uso da poesia como forma de denúncia e de testemunho, esse uso da palavra poética num registo muito para além do meramente retórico e coloquial, tantas e tantas vezes colegial, que ousou colocar a poesia ao nível de um discurso político cuja promessa não era outra senão a de recusar liminarmente todo o género de promessas, isto porque a promessa é indutora de uma autoridade sempre avessa ao poético, de um poder que se arquitecta a partir de um ponto de vista social megalómano que tem apenas em vista a subserviência e o servilismo que levam ao jogo de bastidores na ânsia de um sucesso artificial, pois certo, mas sempre muito atraente. Pena que a grande maioria dos poetas de hoje passe ao lado desta postura delinquente e inconformada, deixando-se pentear, com a mais ignóbil letargia, pelos peritos do sucesso, pelas autoridades eclesiásticas, pelos técnicos da promoção que fazem ascender ao cocuruto do referencial aquilo que, de outra forma, não passaria de um rastejante modo de se pass(e)ar pelo mundo. Rendo as minhas homenagens aos salteadores da poesia sem outra intenção que não seja a de expurgar o corpo dos detritos que a alma lhe imprime, essa alma que desde tão cedo deixa de ser nossa para passar a ser de quem nos ensina a pronunciar papá e mamã de acordo e em obediência com as gramáticas do “podrer”, do conformismo, da espinal algia, da observância mais cínica e sacana, mas muito disciplinada e, por isso, aclamada e reproduzida.

Sem comentários: