O meu primeiro contacto com a poesia de Torquato da Luz (n. 1943) deu-se há coisa de quinze anos, através de uma antologia organizada por Fiama Hasse Pais Brandão e Egito Gonçalves. Falo de Poesia 71, editada pela Editorial Inova, em Junho de 1972. O nome de Torquato da Luz era então, para mim, completamente desconhecido, pelo que não foi sem espanto que o encontrei nessa antologia ao lado de poetas como Alexandre O’Neill, Almada Negreiros, António Ramos Rosa, Carlos de Oliveira, Eugénio de Andrade, Herberto Hélder, João Miguel Fernandes Jorge, Mário Cesariny de Vasconcelos, Ruy Belo, Sophia de Mello Breyner, entre tantos outros. O mesmo espanto voltei a experimentar quando, em início de actividade blogueira, voltei a cruzar-me com esta poesia, desta feita, num weblog intitulado Ofício Diário. Foi com imenso agrado, pois então, que recebi em casa a colectânea, agora publicada pela Papiro Editora, onde Torquato coligiu alguns dos poemas que foi publicando no seu weblog. Em livro, quer queiramos quer não, a poesia respira de modo diferente, o que estará relacionado com as especificidades dos diversos suportes que dão guarida à palavra. Neste caso específico é importante sublinhar um esforço de reorganização da matéria dada, uma distribuição dos poemas que pouco deve ao ritmo com que foram sendo publicados no weblog. Não vindo os poemas datados, fui, por mera curiosidade, averiguar das datas de publicação on-line. Se não me enganei, o poema mais antigo data de 10 de Fevereiro de 2005 e aparece na página 67 do livro, enquanto o mais recente, de 4 de Novembro de 2006, surge na página 8. Isto, por si só, não quer dizer grande coisa, mas denota uma intenção de alinhar os poemas, de arrumá-los sob um outro critério que não seja o critério cronológico de quem escreve um diário por ofício. Há ainda a referir que alguns títulos foram mudados, por vezes de forma radical (o poema Sombras intitulava-se Fantasmas, o poema Sem Medo aparece agora como simplesmente Tu, O Tempo deu lugar ao Ano Novo, etc.), outras vezes com pequenas alterações (A Tua Voz aparece agora somente como Voz, o mesmo acontecendo ao poema Nome que outrora se intitulou O Teu Nome, etc.). Fico, no entanto, sem perceber se a repetição de um poema é intencional ou não. O poema Margem (p.10) reaparece na página 78 com o título Na Margem e duas ligeiras diferenças, uma no conteúdo de um verso outra meramente formal, que não alteram o sentido do poema. Distracção? Se sim, devo dizer que em nada sai beliscado o cômputo geral. Nos cerca de noventa poemas incluídos nesta colectânea vislumbramos uma voz plenamente amadurecida, segura de si, com versos bem delineados e opções indiferentes às tendências do seu tempo. Neste Ofício Diário há um processo de busca e autoconhecimento que balanceia entre o amor e o sentimento de naufrágio, um balanceamento que resulta numa poesia simples, sim, mas nada simplória, a poesia daquele que não sabendo os porquês nem os para quês da vida opta pelo caminho do coração, o caminho afectivo de quem se entrega a um amor que pode ser entendido de várias formas mas que não se explica senão por si mesmo. Esse tu amoroso ao qual se dirige o poeta, por vezes tem corpo feminino, outras tantas vezes confunde-se com as forças da natureza. A mensagem final é equilibradamente positiva, recusando, porém, qualquer tipo de positivismo. Mesmo quando se embrenham no mundo sombrio do medo, do abandono e da solidão, os poemas de Torquato da Luz como que nos convocam para o lado oposto da sombra, um lado de busca e de entrega. Os recursos são os mais limpos, o poema desenha-se com estranha facilidade, não há mágoa nem ressentimento, há antes o lirismo das anáforas a reforçar o esforço de uma procura, de uma busca incessante do eu próprio e de algo mais que se esvaiu no tempo, no esquecimento. Gostei principalmente dos poemas Cactos (p. 17), Algures (p. 50) e O Cortador de Presunto (p. 83), pelos remates irónicos e por um sentido de humor que, de certa maneira, acaba destoando do resto. Ainda assim, parece-me esta poesia uma proposta bastante válida.
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