Frequentava o 11.º ano de escolaridade quando vi, no contexto de uma aula de Filosofia, Non ou a Vã Glória de Mandar (1990). Vi-o numa sala de cinema que, se bem sei, já não funciona, isto numa terra que, se bem sei, neste momento nem cinema tem. A imagem mais forte que guardo deste filme de Manoel de Oliveira é o travelling inicial em torno de uma árvore enorme. Há razões estéticas para que essa imagem seja tão forte, mas há outras, relacionadas com o próprio argumento, que justificam tal facto. Nomeadamente o ser o próprio filme um travelling pela genealogia de um país. Essa viagem que o cineasta português propõe tem algumas particularidades, sendo a mais interessante de todas, quanto a mim, a da recusa de uma visão épica da história de Portugal, optando-se antes por uma perspectiva ambivalente onde a conquista e a desgraça pontuam a dinâmica do tempo histórico, dinâmica essa que, no nosso caso específico, como que tende a ser interpretada ou pelo monóculo do heroísmo ou pela viseira pessimista. Neste filme, em momento algum há a tentação de restringir a História a uma das perspectivas possíveis que sobre ela se possa construir. A opção de um confronto entre as glórias conquistadas, os legados deixados ao cuidado da humanidade, e o sangue derramado nas vãs conquistas, as batalhas perdidas, está perfeitamente reflectida na própria ideia de um itinerário histórico realizado através de algumas das principais batalhas portuguesas – de Viriato à Guerra Ultramarina, passando pela batalha de Alcácer Quibir, entre outras. Qual o destino de Portugal? – parece ser a pergunta aludida em cada sequência. Mas esta pergunta é uma pergunta sem resposta, pois o destino, tal como a verdade, é algo secreto e inexplicável, é o sentido último, não lógico, que tudo explica. Ainda assim, um ano depois do desmoronamento do Muro de Berlim, Manoel de Oliveira logra uma pertinentíssima reflexão cinematográfica sobre os impérios que não se mantêm à força, porque esses, mesmo quando mais longos, serão sempre efémeros à luz das grandes heranças humanitárias. O que fica para a humanidade? O que se dá, não o que se tira. As conquistas territoriais de nada valem. É óbvio que uma grande obra nunca é uma coisa só, assim como também óbvia é a impossibilidade de definição do sentido dessa mesma obra, mas custa-me aceitar que se chame a este um filme meramente filosófico e épico, um exercício moralista sobre a história de Portugal filmada em flashbacks sucessivos, um quase documentário – seja lá o que isso for – acerca da nossa História, porque mais que tudo isso este é um filme eminentemente político, talvez o filme mais político que Manoel de Oliveira alguma vez realizou. E a sua política não é senão aquela que posso perfilhar, isto é, a política de quem olha a política como um motor de circunstâncias que tendem para um fim indecifrável, a política de quem olha o poder político como uma vã glória de mandar. Nada do que de crítico existe neste filme pode confinar-se à nossa história, porque esta é uma obra que, debruçando-se sobre aspectos particulares da história de um povo, extravasa essa mesma história, conquistando, desse modo, aquela universalidade indispensável a qualquer obra que se queira grande. Termina o filme com a morte do seu personagem principal no dia 25 de Abril de 1974, o dia da liberdade. Terrível é o destino dos homens, livres apenas na hora da morte. Terrível palavra é o Non, de qualquer lado por onde se pegue, é sempre Non. O Non tira a esperança, que é a última coisa que a natureza deixou ao homem. Terrivelmente belo, porque verdadeiro, ou seja, misterioso e indecifrável. Na terra onde eu nasci já não há cinema, foi lá que vi Non ou a Vã Glória de Mandar pela primeira vez.
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