Da responsabilidade de Jorge Henrique Bastos, dedicada à poesia brasileira do século XX, esta antologia foi editada pela Antígona, em Fevereiro de 2002. De lá para cá, desapareceram alguns dos visados. Casos de Hilda Hilst (1930-2004), de um dos mentores do movimento concretista brasileiro, Haroldo de Campos (1929-2003), e de Sebastião Uchoa Leite (1935-2003). Refiro-o para salientar o facto de algumas das notas biobibliográficas que acompanham os autores representados terem sofrido desactualizações. Há ainda o caso de imprecisões e lacunas no que respeita a datas de nascimento e falecimento, sendo que, em vários autores, ou não se referem de todo essas datas ou fica esquecida uma delas. As imprecisões acontecem, nomeadamente, com Vinicius de Moraes (nascido em 1913 e não em 1919, como aparece referido), José Lino Grünewald (desaparecido em 1999 e não em 2000), Adélia Prado (nascida em 1935, não em 36) e António Fernando de Franceschi (nasceu 3 anos antes, em 1942, da data referida na antologia). Se excluirmos estes pormenores, esta Antologia de Poesia Brasileira do Século XX – Dos Modernistas à Actualidade é uma boa porta de entrada num dos mais ricos viveiros da poesia mundial. Bem sei da desconfiança que alguns meus conterrâneos alimentam relativamente às vozes poéticas provenientes da Terra de Vera Cruz. Tal desconfiança, histórica, teve sempre os seus pólos. O’Neill, por exemplo, era fã. Já Jorge de Sena, desconfiava. Quanto a mim, jamais será possível estabelecer generalizações. Lido este volume de quase quatrocentas páginas, o que fica é a sensação de dois momentos estéticos severamente marcantes – Modernismo primeiro, Concretismo depois -, sendo que, para lá dos movimentos, o que se destaca são as vozes individuais. Destas, a prodigalidade é maior do que se julga. Vejam-se os casos mais conhecidos de Cecília Meireles (1901-1964), Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Vinicius de Moraes (1913-1980) ou João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Nenhum deles se esgota no grupo, no movimento, fazendo-se notar, antes de mais, pela assunção de estilos bastante peculiares ao seu tempo. E que dizer desse poeta extraordinário e singularíssimo que é Manoel de Barros (1916)? Eis apenas alguns exemplos de vozes poéticas vindas do Brasil que, entre as raízes do Modernismo de Manuel Bandeira (1886-1968) e os preceitos do Concretismo de Décio Pignatari (1927), foram desbravando o caminho para uma poesia autónoma e marginal como a de, só para dar um exemplo, Paulo Leminski (1944-1989). Jorge Henrique Bastos, na introdução, alerta-nos para os riscos da selecção levada a cabo: «a existência de um grande número de poetas», «a desigualdade criativa». No entanto, explica-se: «intuí que nem só os nomes considerados pelo establishment literário brasileiro deveriam constar na antologia». Fez muito bem. O número de poemas é variável de autor para autor, permitindo, praticamente sem excepção, uma perspectiva sobre o que espera a quem pretenda aprofundar a obra. Dos que desconhecia aquando da primeira leitura, fiquei interessado nas obras de Affonso Romano de Sant’Anna (1937), de Orides Fontela (1940-1998), de João Moura Jr. (1950), de Ruy Proença (1957) e, do mais novo dos antologiados, Heitor Ferraz (1964). Refira-se de passagem que, entretanto, as Quasi Edições têm investido na publicação, em terras lusas, de vários dos poetas brasileiros presentes nesta antologia, assim como noutros que terão ficado esquecidos (vide biblioteca Arranjos para Assobio). Se outras razões não houver, que vos atraia a derrisão desta poesia, o gosto de brincar com as palavras, de as meter no ritmo de quem respira o mundo por uma palhinha e a atenção, essa atenção tantas e tantas vezes negligenciada, ao que está em redor de quem está, ao que fica para lá de quem escreve, ao que, parecendo vazio, nos enche a morte.
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