Esta Antologia da Poesia Soviética (Editorial Futura, 1973), organizada, prefaciada e anotada por Manuel de Seabra, possui, entre outros, o mérito de nos colocar em contacto com um leque diversificado de autores praticamente desconhecidos em terras lusas ou de dificílimo alcance, quer na nossa língua, quer noutras mais acessíveis e disseminadas entre nós que não a língua russa. No prefácio, Manuel de Seabra chama a atenção para o carácter insidioso do conceito de «poesia soviética», «pois soviética é também a poesia de todas as línguas faladas na União Soviética e esta antologia inclui apenas poetas russos, ou que escreveram em russo». Entre os 43 poetas incluídos, encontramos gente nascida em Kiev e em Odessa, cidades ucranianas, assim como na Criméia, na Geórgia, na Sibéria, etc., o que torna a selecta mais abrangente em termos geográficos do que possa parecer à primeira vista. Mas o mais impressionante, sobretudo para quem julgue ser esta uma poesia delimitada em termos ideológicos, é a grande profusão de estilos e de movimentos que a caracteriza. Dos poetas mais antigos, como Alexei Gastev (1882-1938) e Velemir Khlebnikov (1885-1922), até aos mais novos Yevgeny Efremov (1946) e Leonid Gubanov (1947), este sem qualquer livro editado à época, encontramos gente proveniente dos mais diversificados grupos: futuristas, imaginistas, construtivistas, acmeístas, entre tantos outros. Os mais familiares ao público português talvez sejam Anna Akhmatova (1888-1966), ligada ao acmeísmo, Vladimir Mayakovsky (1893-1930), nome maior do futurismo russo – radicalmente oposto, em termos ideológicos, ao de outros países -, a voz isolada de Marina Tsvetayeva (1892-1941) ou o nobelizado Boris Pasternak (1890-1960). Pena que assim seja, pois muito agradáveis de conhecer são também as poesias do imaginista heteróclito Sergei Yesenin (1895-1925) – aparece por vezes traduzido como Sergei Esenin -, ou esse grupo de quatro poetas então apresentados como pertencendo a uma nova geração mais conhecida no estrangeiro: Andrei Voznesensky (1932) - Antimundos, uma das suas obras mais relevantes, foi publicado na Dom Quixote, em 1970 -, Robert Rozhdestvensky (1932), o dissidente Yevgeny Yevtushenko (1933) e a popular Bella Akhmadulina (1937). Dos poetas soviéticos difundidos entre nós, nota-se apenas a ausência de Óssip Mandelstam, talvez por ter nascido polaco, embora acabasse por desaparecer, ao que se julga, num «campo de trânsito» na Sibéria. Seja como for, esta é uma antologia que me parece merecer alguma consideração, não só pelo esforço que colocou na divulgação de poetas, na sua grande maioria, inconvenientes ao então statu quo nacional – recordo que a data de edição é anterior ao 25 de Abril de 1974 -, mas também por fornecer, no prefácio e nas notas biobibliográficas que a compõem, um enquadramento histórico valoroso do florescimento da moderna literatura russa, uma literatura que nos lembra ter havido um tempo e um espaço onde a poesia possuía público, onde estádios inteiros se enchiam para ouvir recitais de poesia, onde os livros saíam para o mercado com encomendas prévias de cem mil exemplares. Nesse aspecto, a situação portuguesa em nada se modificou: «O poeta português, por exemplo, sabe que as poucas centenas, quanto muito escassos milhares de pessoas que lêem os seus livros são pessoas constituindo, por esse mesmo facto, uma elite de cultura e sensibilidade. Pode, portanto, usar todos os seus recursos metafóricos e prosódicos, pode comunicar ao mais alto nível, correndo por isso muitas vezes – confessemo-lo – o risco de se tornar ‘obscuro’» (p. 19). Nada disto, caro leitor, está relacionado com a pequenez geográfica do país, senão com a pequenez de espírito, sobretudo dos poetas, que à força de quererem ser originais e vanguardistas, quase sempre fazendo eco e sombra do déjà vu além fronteiras, afastaram a poesia dos leitores, enclausurando-a em guetos intelectualóides de um snobismo confrangedor pelo que denota de provinciano à luz dos centros urbanos dignos de tal designação.
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