A educadora de infância da Matilde tinha-me pedido que fosse à escola tocar qualquer coisa para os meninos. Querendo dar uma de encarregado de educação empenhado, acedi ao convite. Devia ter ponderado melhor, corria o sério risco de traumatizar de tal maneira aquelas crianças a ponto deque elas nunca mais quereriam ouvir (falar de) música. Mas a actuação até não correu mal. Comecei por lhes perguntar o que julgavam eles ser música. Uma menina respondeu-me que música é cantar canções. E assobiar? – questionei. Concordaram todos que assobiar também era música. E bater palmas? Bater palmas também. Felizmente ficámos por ali, não fosse o caso de algum petiz mais desatado lembrar-se de sugerir outras formas de fazer música com o corpo. Depois contei-lhes das sete notas musicais, tantas quantos são os anões da Branca de Neve, os dias da semana, as cores do arco-íris. Pareceram intrigados com esta conversa à volta do número mágico. Um deles, muito sério, olhou para a minha guitarra e perguntou por que razão a guitarra tinha apenas seis cordas. Com a pergunta atravessada na garganta, tive de engolir o sapo da estupidez. Por que raio tinha a guitarra apenas seis cordas? Apresentei-lhes então alguns instrumentos. No final, em jeito de recapitulação, a concertina chamava-se piano, a cuíca era cueca, a flauta de cana era cana de pesca. Só a guitarra era guitarra. Uma menina começou a chorar quando dei início à cantiga do pato, o que me valeu uma forte dor no peito. Mas depois lá secou as lágrimas a mexer na cueca. Perdão, na cuíca. A canção do pato é uma matildosca que escrevi há anos para ensinar a Matilde a pronunciar algumas consoantes (pato, sapo, gato, rato, fato, bato…). Acho que a Matilde gostou, olhava para mim como se eu fosse uma estrela de Hollywood. Só por aquele olhar, todas as figuras de pato valem a pena.
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