sexta-feira, 9 de novembro de 2007

BABEL

Babel começa e termina com a mesma cena vista de ângulos diferentes. Um pai, de férias em Marrocos, telefona para saber do filho. No início é-nos dado observar a ama do filho atender o telefone; no final a cena é-nos mostrada do lado do pai. Suficiente para percebermos ser este um filme de perspectivas, não um filme de perspectiva. A presença do telefone, enquanto meio pelo qual a comunicação se estabelece, é fulcral. De resto, as telecomunicações estão permanentemente em evidência em Babel – a cidade onde outrora a humanidade falava a mesma língua, a mesma cidade onde, por vontade do Senhor, a humanidade se dispersou. Dispersos pelo mundo - aqui representado num eixo que vai da América ao Japão, passando pelo norte de África, mais precisamente por Marrocos -, os povos encontraram nas novas tecnologias da comunicação e da informação uma forma de reaproximação. A pergunta é: até que ponto essa reaproximação é efectiva? No fundo, o que separa os povos na comunicação não é tanto o não poderem falar uns com os outros. É antes o não se ouvirem, o não se escutarem, o não se esforçarem por entender uns aos outros. Tudo no argumento de Babel remete para esta dificuldade de comunicação: entre um pai e uma filha, entre marido e mulher, no seio familiar, laboral, social, político, etc. Não por acaso uma das personagens mais eloquentes de Babel é uma adolescente muda, atravessando uma fase de auto-questionamento, agravada pela perda abrupta da mãe, acerca do seu corpo, da sua beleza, da sua capacidade de sedução, ferida pelo facto de encontrar na sua deficiência um obstáculo à comunicação. Se a globalização se tem processado no sentido de atenuar as dificuldades de comunicação, então ela é, na mesma medida, a origem dessas dificuldades. Porque o que dificulta a comunicação não é tanto a distância como é a proximidade. Não façamos juízos morais sobre esta realidade nem tentemos retirar daqui dividendos políticos. Seriam fáceis de desmontar, fosse qual fosse a perspectiva de abordagem dos mesmos. Mas repare-se, a título de exemplo, na facilidade com que a ama, de nacionalidade mexicana, entra no México, em contraste com a dificuldade que ela encontrou no regresso aos Estados Unidos. As relações entre os países no mundo globalizado não são, definitivamente, equitativas. As assimetrias são evidentes, quer no nível de vida que separa os povos, quer na facilidade com que os mais ricos, por isso mais poderosos, se impõem aos mais fracos. Não venham pois atirar-nos a areia dos constrangimentos geográficos reduzidos, das fronteiras e das sociedades abertas. Tudo não passa de um logro ao serviço dos interesses económicos, das trocas comerciais e financeiras, da exploração dos recursos humanos e naturais. A globalização é um negócio com o qual beneficia quem souber negociar. Os reais benefícios do negócio são evidentes: 18 países, com 460 milhões de habitantes, pioraram o seu nível de vida em relação a 1990; 2.500 milhões de pessoas sobrevivem no nosso mundo com menos de dois euros por dia; as 500 pessoas mais ricas do mundo têm um rendimento mais alto do que o das 416 milhões de pessoas mais pobres… Dados positivos? Claro que existem. Mas não são nada consoladores quando confrontados com a dura realidade do mundo. Babel não opina sobre este assunto, limita-se a contar uma história com repercussões noutras histórias, num entrelaçamento de narrativas que apenas reforça as tragédias individuais, sempre no seio da família, nos domínios da comunicação ou, melhor dizendo, da sua dificuldade. No fundo, o mundo representado no microcosmo familiar. Isso interessa-me.

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