Para quem preste alguma atenção ao universo da pequena história, o nome de Bruce Holland Rogers (n. 1958) há muito deixou de ser estranho. Amplamente difundido em território cibernético, nomeadamente através de um serviço de entrega de “short-short stories” por e-mail, Rogers nasceu nos EUA, vive em Inglaterra, ensina escrita criativa, é um conferencista activo, venceu vários prémios literários. De entre os prémios que lhe foram atribuídos, destacam-se dois World Fantasy Awards (em 2004 e 2006). Geralmente conotada com o fantástico, com o terror e com a ficção científica, a sua obra é bem mais heteróclita do que, à partida, qualquer um desses rótulos possa revelar. A colectânea Pequenos Mistérios, editada em Novembro passado pela Livros de Areia, dá conta da tendência experimental e da diversidade que caracteriza a prosa deste autor. São quarenta histórias (ou mais, já explico porquê), traduzidas por Luís Rodrigues, organizadas em cinco conjuntos intitulados: Histórias, Metamorfoses, Insurreições, Contos e Simetrinas. O último conjunto, na verdade, reúne várias short stories, agrupadas sob três títulos distintos, algumas delas configurando o que pode hoje ser apelidado de micronarrativa. Jeff VanderMeer, autor do prefácio, diz haver nesta organização uma sequencialidade que permite ao leitor «sentir o florescimento de uma espécie de epifania». Com ou sem epifanias, o que o leitor certamente sentirá é a presença de um contador de histórias invulgar. Do primeiro conjunto, destaco os contos Para leste e Os poetas menores de San Miguel County. São histórias aparentemente vulgares (uma viagem-surpresa, em família, rumo ao oceano Atlântico; uma conferência sobre Rilke a convite de uma associação de poetas), bem desenvolvidas e contadas num estilo que nada deve ao fantástico. Antes pelo contrário. Nestes dois contos sobressai um olhar melancólico sobre a vida quotidiana, assim como uma certa afectuosidade para com a singeleza dos gestos mais banais. No capítulo seguinte tudo é diferente. O género presta-se à parábola, ao humor, ao absurdo, à caricatura. Mas mais interessante é o facto do autor conseguir conter-se na hiperbolização das caricaturas, a ponto de, por diversas vezes, se tornar nitidamente poético. Estamos na região da metáfora, aqui praticada com superior desenvoltura. Note-se, a título de exemplo, no excelente conto Don Ysidro, onde um fabricante de potes à moda antiga, já morto, diz-nos como ainda hoje se encontra espalhado pelo mundo, fundido nos potes que fabricou e ajudou a fabricar. Esta dimensão poética, de resto, está presente em muitas das estórias de Bruce Holland Rogers, não apenas no conteúdo metafórico das situações, mas também na própria estrutura dos contos. É o caso de Invasões, um conto do conjunto Insurreições, que pode ser lido como uma espécie de poema em prosa. Há também contos escritos como se fossem receitas de culinária, confissões, questionários. Já no quarto dos conjuntos que compõem esta colectânea, a narrativa torna-se mais convencional, embora esta convencionalidade se revele meramente formal. Dois excelentes contos – Metade do Império e Quiabo, sorgo e inhame – dão-nos conta do gosto do autor pela história-exemplo, pela alegoria. No entanto, estas alegorias terminam sempre num tom irónico que resulta, assim, numa subversão dos códigos que determinam, geralmente, os remates moralizantes deste tipo de narrativas. Para o fim, Rogers guardou três lotes de histórias muito breves, algumas das quais, como disse, de tipo micronarrativo. Pequenos Mistérios é um dos livros mais deliciosos do 2007 que está prestes a metamorfosear-se em 2008.
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