A caminho da escola, a minha filha faz-me estremecer o corpo todo, mais a alminha que anda lá por dentro, com uma questão que eu diria fracturante se estivesse a falar de política (no contexto de uma conversa entre pai e filha direi antes tratar-se de uma das questões mais fodidas que uma filha pode colocar a um pai). E a questão foi: «Papá, gostava de saber por que não tens tanta sorte como o avô?» Como não sou de fugir às questões, mesmo quando elas implicam dolorosas verdades, lá lhe fui explicando que a vida está difícil, que o avô, quando tinha a idade do pai, estava bem pior, ganhava menos dinheiro, tinha um carripana velha, uma casa mais pequena, uma televisão a preto e branco, não tinha DVD, leitor de CDs, computador, jogos, que trabalhava muito mais e passeava muito menos, não comia tantos doces nem ia ao teatro e ao cinema. Enfim, tentei explicar-lhe que, apesar da minha pouca sorte, apesar da vida inútil que levo, não me posso queixar muito quando comparo a minha vida com a vida do meu pai há 30 anos. Pensei ainda, mas isso não lhe disse, que há 30 anos a vida do meu pai seria bem mais difícil do que a minha neste momento pelo simples facto de ele já ter então três filhos. Imagino o que seria viver com três filhos há 30 anos, ainda mais sendo eu um deles. Devia ser bem mais difícil do que viver com dois hoje em dia. A minha filha escutou-me atentamente, parou, olhou-me com espanto e disse-me: «Papá, não é isso, o que eu quero saber é por que é que o avô te ganha sempre às cartas?»
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