sábado, 1 de março de 2008

PRIMEIRA ANTOLOGIA DE MICRO-FICÇÃO PORTUGUESA

Está pronta a Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa (Exodus), com selecção e organização de Rui Costa e de André Sebastião. O prefácio é meu. A primeira impressão é de que se trata de um volume, o segundo da colecção Anti-Matéria, graficamente cuidado (detectei uma gralha) e bem organizado. Para primeira antologia, pode-se dizer que apresenta um leque diversificado de autores. Diversificado nas propostas e no matiz geracional. Nascidos entre 1942 e 1984, marcam presença: Alcides, Alexandre Au-Yong Oliveira, Fernando Dinis, Fernando Esteves Pinto, Fernando Gomes, Filipe Guerra, Henrique Manuel Bento Fialho, Inês Lourenço, João Carlos Silva, Luís Ene, Maria João Lopes Fernandes, Paulo Rodrigues Ferreira, Paulo Kellerman, Pedro Afonso, Pedro Amaral, Rafael Mota Miranda, Rui Almeida, Rui Costa, Rui Manuel Amaral, Rute Mota, sara Monteiro e Sónia Duarte. Objectos deste género obrigam a opções sempre discutíveis. Importa salientar que o propósito final, explícito no título, não seria o de fazer uma antologia da micro-ficção portuguesa, mas apenas uma antologia de micro-ficção portuguesa. Os autores seleccionados não configurarão o panorama da micro-ficção em Portugal, mas complementam, certamente, uma paisagem agradável com muitos caminhos ainda por explorar. Seria fastidioso falar detalhadamente sobre cada um deles, pelo que limitar-me-ei a apontar algumas pistas de leitura. Agradou-me o erotismo heterodoxo de Alcides, mais pelo trabalho de linguagem que o texto propõe do que especialmente pelo texto em si. Os policiais de Alexandre Au-Yong Oliveira são uma boa surpresa, denotando também um certo gosto pela experimentação dentro de um género que, reduzido à escala da microficção, é deveras problemático. Fernando Dinis divide-se entre o poema em prosa e o miniconto de carácter mais convencional. Fernando Esteves Pinto opta pelo registo aforístico e por diálogos arrancados ao quotidiano pessoal. O humor, em múltiplas modalidades, é a marca mais óbvia dos textos de Fernando Gomes. Gostei especialmente de Os malefícios do spam, por arriscar no malfadado território da pornografia (alguns chamam-lhe brejeirice, eu chamo-lhe devassidão). Filipe Guerra, mais conhecido como tradutor, é outra boa surpresa. Oferece-nos alguns exercícios de tipo harmsiano (de Daniil Harms, para os desprevenidos). Sobre mim, por enquanto, ainda não falarei. Inês Lourenço é outra presença surpreendente, pelo simples facto de estarmos mais habituados a lê-la em verso. Pequenas prosas marcadas pela ironia e, num caso, pela mensagem de cariz feminista. João Carlos Silva é um caso sério de humor negro, optando por remates tão filosóficos quão sarcásticos. Muito bom. Luís Ene opta igualmente por um registo aforístico, embora de tempero zen. Horas Felizes é um bonito texto. Depois há a prosa diarística, tantas vezes em registo micro, aqui representada por Maria João Lopes Fernandes. Paulo Rodrigues Ferreira, que acabou de publicar um e-book na Minguante, domina razoavelmente o humor de tonalidades mais escuras. Já Paulo Kellerman dá continuidade à inclinação melancólica que lhe conhecemos de outras paragens. A colaboração de Pedro Afonso transporta-nos para o lado crepuscular da microficção, esse lado onde a poesia e a narrativa se confundem. Excelente surpresa, são os textos de Pedro Amaral: ficções onde o absurdo serve mais para falsificar a realidade do que para caracterizá-la. Excelente. Rafael Mota Miranda é proporcionalmente poético (assim a modos que o'neilliano) e picaresco. As ficções de Rui Almeida também não enjeitam o poético, ainda que disfarçado por um tom que justapõe uma certa moral ao cómico. Rui Costa lança-nos a imaginação para o domínio da fábula e Rui Manuel Amaral domina como nenhum outro o absurdo característico das short stories de Daniil Harms. Seguem-se Rute Mota, com narrativas balouçando entre a comoção e o irónico, Sara Monteiro, com textos alicerçados na metáfora e, talvez por isso, remetendo-nos para o universo do poema em prosa, e, por fim, Sónia Duarte, com três ficções onde alguns sinais da actualidade são subtilmente satirizados. Dito isto, resta dar os parabéns aos organizadores pela iniciativa e sugerir aos eventuais interessados a busca do objecto.

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