Indigènes (Dias de Glória, na versão portuguesa), de Rachid Bouchareb (n. 1959), não é apenas mais um filme sobre a II Grande Guerra. O cenário serve para lembrar os esquecidos, não deixar sarar as feridas e, mais do que homenagear, exigir uma reflexão sobre a hipocrisia enquanto grande motor da política. Do recrutamento aos dias de hoje, a história de um soldado e do seu pelotão. O que há de especial nestes soldados é terem sido recrutados nas ex-colónias francesas. São nativos da Argélia, Marrocos, etc., que combatem, lado a lado com os franceses, pela França, pela pátria-mãe que trata de modo desigual os seus filhos. Aqueles soldados não se limitam a lutar contra o nazismo alemão, não lutam unicamente pela França, pelos valores da liberdade, fraternidade e igualdade. Eles lutam pela discriminação de que são alvo, uma discriminação que começa logo nos seus companheiros de guerra, nomeadamente nos seus superiores. Bouchareb é translúcido no modo como expõe essa discriminação, perspectivando a presença daqueles soldados no exército francês como mera carne para canhão, apontando o dedo às tácticas e aos métodos praticados para promover soldados franceses e esquecer os magrebinos, chamando a atenção para os pormenores que fazem da História um processo calculista de selecção da memória. Estes combatentes esquecidos não são só, nos dias de hoje, meros soldados perdidos no combate do esquecimento. Eles são a prova de um cancro que ainda hoje nos assola, um cancro que nos obriga a reflectir e a julgar as nossas responsabilidades no estado actual do mundo. Seria redundante ver neste filme apenas mais um exercício sobre a II Grande Guerra ou até uma espécie de panfleto contra a discriminação de que os magrebinos têm sido alvo na França da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Este filme mostra-nos também que certos homens estão, à partida, limitados no reconhecimento pelo fatal destino da sua origem. Mostra-nos que alguns homens não precisam apenas de ser bons para serem reconhecidos como tal, precisam, antes, de ser óptimos, excelentes, muito melhores que os demais para serem vistos, pelo menos, como razoáveis. É a condição das minorias: chegar a Deus para estar ao nível dos homens. A uns exige-se tudo para que sejam pouco, a outros praticamente nada se exige para que sejam muito. Este filme é, de certo modo, sobre tudo isso, sobre a tatuagem que ainda hoje marca muitos dos filhos da Europa civilizada: pas de chance.
sábado, 12 de abril de 2008
INDIGÈNES
Indigènes (Dias de Glória, na versão portuguesa), de Rachid Bouchareb (n. 1959), não é apenas mais um filme sobre a II Grande Guerra. O cenário serve para lembrar os esquecidos, não deixar sarar as feridas e, mais do que homenagear, exigir uma reflexão sobre a hipocrisia enquanto grande motor da política. Do recrutamento aos dias de hoje, a história de um soldado e do seu pelotão. O que há de especial nestes soldados é terem sido recrutados nas ex-colónias francesas. São nativos da Argélia, Marrocos, etc., que combatem, lado a lado com os franceses, pela França, pela pátria-mãe que trata de modo desigual os seus filhos. Aqueles soldados não se limitam a lutar contra o nazismo alemão, não lutam unicamente pela França, pelos valores da liberdade, fraternidade e igualdade. Eles lutam pela discriminação de que são alvo, uma discriminação que começa logo nos seus companheiros de guerra, nomeadamente nos seus superiores. Bouchareb é translúcido no modo como expõe essa discriminação, perspectivando a presença daqueles soldados no exército francês como mera carne para canhão, apontando o dedo às tácticas e aos métodos praticados para promover soldados franceses e esquecer os magrebinos, chamando a atenção para os pormenores que fazem da História um processo calculista de selecção da memória. Estes combatentes esquecidos não são só, nos dias de hoje, meros soldados perdidos no combate do esquecimento. Eles são a prova de um cancro que ainda hoje nos assola, um cancro que nos obriga a reflectir e a julgar as nossas responsabilidades no estado actual do mundo. Seria redundante ver neste filme apenas mais um exercício sobre a II Grande Guerra ou até uma espécie de panfleto contra a discriminação de que os magrebinos têm sido alvo na França da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Este filme mostra-nos também que certos homens estão, à partida, limitados no reconhecimento pelo fatal destino da sua origem. Mostra-nos que alguns homens não precisam apenas de ser bons para serem reconhecidos como tal, precisam, antes, de ser óptimos, excelentes, muito melhores que os demais para serem vistos, pelo menos, como razoáveis. É a condição das minorias: chegar a Deus para estar ao nível dos homens. A uns exige-se tudo para que sejam pouco, a outros praticamente nada se exige para que sejam muito. Este filme é, de certo modo, sobre tudo isso, sobre a tatuagem que ainda hoje marca muitos dos filhos da Europa civilizada: pas de chance.
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