sexta-feira, 30 de maio de 2008

POESIA BRASILEIRA DO TERCEIRO MILÉNIO

Afirma-se amiúde que nunca foi tão fácil editar poesia em Portugal como hoje. Não estou na posse de dados que me permitam corroborar ou contradizer tal afirmação, mas, mesmo aceitando que hoje seja mais fácil editar poesia em Portugal do que no passado, não posso concordar com a ideia de que é fácil editar poesia em Portugal. Se excluirmos as editoras que editam livros financiados pelos próprios autores ou por patrocinadores amigos, se excluirmos também aquelas que apenas editam consagrados ou autores chegados à casa por sugestão de autores já da casa, se formos ainda mais exigentes e excluirmos igualmente todos os autores que editam nesta ou naquela editora por a essa ou àquela editoras já terem prestado serviços vários (tradução e crítica/promoção à cabeça), então o que resta? Pouco. Um autor verdadeiramente autónomo, independente, desprotegido e fora dos circuitos literários habituais encontrará imensas dificuldades se não tiver dinheiro para pagar a edição dos seus próprios livros, se não tiver padrinhos ou amigos porreiros, se não estiver disposto a prestar serviços. Não admira, por isso, que o aparecimento na Internet de várias ferramentas de edição de texto tenha sido acompanhado pela revelação de inúmeros autores que, de outra forma, continuariam a escrever para a gaveta. Há uns anos, quando começou a falar-se de weblogs em Portugal, muitos foram os que, reconhecendo a existência de vários espaços dedicados à poesia neste novo mundo, logo se empenharam na desvalorização do que aí vinha aparecendo no domínio da arte poética. Elogiaram-se os cronistas, a prosa diarística, o aforismo, a análise política, o humor, alguma ficção – mais recentemente a microficção -, mas nenhuma poesia. Entretanto, alguns poetas de obra feita e publicada foram aportando neste cais. Vejam-se os casos de Nuno Júdice, Inês Lourenço, João Camilo, Hélder Moura Pereira, entre tantos outros. Agora já não há como negar à Internet o carácter de espaço privilegiado para a divulgação, promoção, prática, experimentação de vozes poéticas diversificadas. Ao nepotismo fechado e reinante na edição de livros, contrapõe-se a democracia dos espaços abertos de difusão; ao comércio encapotado de talento e propriedade, opõem-se as novas tendências como uma saudável, fecunda e revolucionária oficina de escrita. Senti vontade de dizer isto, a propósito da Antologia de Poesia Brasileira do Início do Terceiro Milénio, seleccionada e organizada por Claudio Daniel para a Exodus, por ter encontrado, entre os dezoito poetas que compõem o volume, vários nomes com publicação regular em weblogs ou páginas na Internet: Adriana Zapparoli, Ana Maria Ramiro, Douglas Diegues, Marília Kubota (inédita em livro), Nícollas Ranieri, Thiago Ponce de Moraes, Virna Teixeira. Também inéditos em livro são Andréa Catrópa e Daniel Sampaio de Azevedo, sobrando André Dick, Danilo Bueno, Delmo Montenegro, Diego Vinhas, Donny Correia, Eduardo Jorge, Leonardo Gandolfi, Micheliny Verunschk, Simone Homem de Mello. Um leque onde o mais novo é Nicollas Ranieri (n. 1991) e a mais crescida é Marília Kubota (n. 1964). Esta antologia é uma lufada de ar fresco. Não só por nos mostrar uma poesia brasileira em constante ebulição, como também diversificadíssima nas propostas (algo que, em Portugal, acaba frequentemente reduzido ao seguidismo patético de duas ou três correntes distintas). A Introdução e o Posfácio, da autoria de Claudio Daniel, são dois documentos excepcionais que nos permitem perceber os trilhos da poesia brasileira depois do modernismo, do advento da poesia concreta e das orientações alternativas que foram surgindo da segunda metade do séc. XX até aos dias de hoje. Excelente apêndice à antologia organizada por Jorge Henrique Bastos para a Antígona, neste pequeno livro encontramos 18 poetas novos cultivando linguagens que, sendo também fruto do seu tempo, não deixam de ser questionadoras, confrontadoras, até transgressoras dos actuais paradigmas. Nota-se, na generalidade, uma tendência minimalista, fortemente imagética, por vezes prosaica, frequentemente hermética, mas com uma impressionante vontade de escapar à boçalidade. Poemas como Instalação, de Diego Vinhas, a morbidez nos poemas-sequência de Donny Correia, o tom escatológico de Micheliny Verunschk ou o feminismo irónico de Marília Kubota podem ser excelentes indicadores de uma moderna poesia brasileira que sai aqui excelentemente representada.

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