Velhos é o segundo volume de Jorge Gomes Miranda (n. 1965) na simpática colecção de Poesia Portuguesa Contemporânea publicada pelo Teatro de Vila Real. Do autor, li quase tudo. Falhei o livro de estreia, O Que nos Protege (1995), e o volume anterior a este, O Acidente (2007). Entre ambos, Jorge Gomes Miranda publicou, ao ritmo avassalador de muitos dos poetas da sua geração, Portadas Abertas (1999), Curtas-Metragens (2002), A Hora Perdida (2003), Postos de Escuta (2003), Este Mundo, Sem Abrigo (2003), O Caçador de Tempestades (2004), Pontos Luminosos (2004), Requiem (2005) e Falésia (2006), este último o primeiro na supracitada colecção. Faço questão de os mencionar para que se possa ter uma ideia do ritmo de publicação deste autor, um ritmo que não é de todo alheio a uma concepção poética que tende a olhar para o poema como uma espécie de registo evocativo. Importa salientar, porém, a diversidade de tons que matizam esses registos, frequentemente elegíacos, outras vezes fortemente irónicos, chegando mesmo a roçar o mato bravio do sarcasmo, por vezes aproximando-se daquilo que se convencionou chamar, de modo mais ou menos ligeiro, mais ou menos esclarecido, de poema político. Pessoalmente, agrada-me na poesia de Jorge Gomes Miranda a subtileza metafórica que povoa muitos dos seus poemas, uma subtileza que opta por não transformar o poema numa construção fechada sobre si própria, inacessível, esquizofrénica. Essa subtileza confunde-se muitas vezes com ausência, algo que me parece bastante precipitado. Sucede que os poemas acontecem – é essa a sua natureza – sem aparentes pretensões de afirmação, surgem límpidos na página, com uma linguagem nem sempre tão simples quanto possa supor-se, mesmo quando as temáticas são avessas a qualquer tipo de transparência. O pendor declaradamente narrativo - muitos poemas não passam de pequenas prosas partidas em verso – também pode iludir aquilo a que alguns gostam de chamar, em tom depreciativo, de prosaísmo ou mero confessionalismo. Mas não nos deixemos iludir. Quando começamos a aprofundar estes poemas encontramos algo para lá da superfície narrativa, das descrições, encontramos um trabalho de linguagem bastante rico que, no presente volume, passa, por exemplo, pelo uso de expressões e vocábulos quase perdidos numa província certamente pouco compreensível nos poetas da urbanidade. O livro parte de uma ideia, a ideia da velhice. Nos três conjuntos em que foi organizado encontramos os tais retratos dos velhos, um olhar terno mas também inquietante sobre os lugares dos velhos, os lugares que povoam a memória e a presença dos velhos, a ideia do velho como aquele que já só espera a morte, cuja presença é, como dizia Rilke, “uma espécie de símbolo dos vestígios terrestres te todos os (…) defuntos”. Há ainda espaço para uma melancolia muito sóbria, nada enfatuada, como no poema da avó que conta ao neto as particularidades do falecido avô e termina questionando-se: «Vamos que eu não me lembrava / a tempo; tudo isto / morria dentro de mim?» (p. 16) O cenário é o de uma província envelhecida, próxima do desaparecimento, que provavelmente desaparecerá com estes velhos, com os seus relatos e as suas memórias. Não me levem a mal que diga destes poemas serem outra forma de antologiar o esquecimento, de oferecerem à posteridade pequenos vestígios de modos de falar que são também os vestígios dos modos de viver. Há ainda lugar, no segundo conjunto, para as vozes dos velhos maledicentes. Os remates são invocativos de um sentido proverbial muito nosso, de uma nostalgia das figuras pícaras que deram cor à província portuguesa, mas também resultam como parábolas dos feitios sem tempo. Sucede, a título de exemplo, neste Um Não Digo Qual: «Era um peguilhento, um reticencioso / e estava à minha porta / para trazer de novo a uso / ressequidas histórias / de caça e gandaia. // De gingeira, de gingeira conhecia-o. / Depois da adolescência tornara-se / um troca-tintas. Menos que poetastro. / Vontade de empunhar um fueiro!» (p.36) Em suma, o tema da morte persegue a poesia de Jorge Gomes Miranda. Neste pequeno volume ela aparece nos olhos dos que, ainda vivos, mais próximos estão dela. Mas aparece de uma forma bastante comovedora, mesmo quando mostra o dente arreganhado do escárnio.
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