Gosto de antologias. Com uma boa antologia podemos aprender muita coisa. Por exemplo: com a Antologia da Poesia Soviética (Futura, 1973) aprendemos que houve um tempo e um lugar onde os estádios enchiam para ouvir recitais de poesia; com a Antologia da Novíssima Poesia Norte-Americana (Futura, 1973) aprendemos que as vidas podem ser usadas poeticamente e que é possível reunir poetas dentro de casas sem tecto; com a Antologia da Poesia Britânica Contemporânea (Livros Horizonte, 1982) aprendemos que há países com gente altamente condecorada por serviços prestados à poesia. Quer dizer, ninguém precisa de ler estas antologias para tomar conhecimento destes fenómenos. Nem uma antologia serve para isso. Mas também serve para isso. Uma boa antologia é assim como uma espécie de saca-rolhas da alma, predispõe-nos para a diversidade, alarga-nos as vistas e oferece-nos vastíssimas paisagens de horizontes indefiníveis. É verdadeiramente amargurante verificar que não se aprende nada, absolutamente nada, com as antologias vindas a lume, nos últimos anos, dedicadas ao que de produção poética vai acontecendo neste infeliz país de poetas. A gente degusta os poemas e por aí se fica. Na sua grande maioria, falamos de antologias temáticas (quase sempre dedicadas ao amor ou à liberdade ou à mulher ou ao que seja). Não vejo mal algum nisso, e até aprecio muito algumas dessas reuniões amenas. Refiro-me à ausência de uma boa antologia da poesia portuguesa moderna/contemporânea, algo ao género do que era feito com as Líricas Portuguesas ou do tipo da Antologia da Novíssima Poesia Portuguesa, organizada por M. Alberta Menéres e E. M. de Melo e Castro. Como leitor de poesia, dá-me imenso gozo folhear esses livros e descobrir sempre coisas novas ou redescobrir outras já esquecidas acerca deste ou daquele autor. O que temos hoje é pouco mais que nada, umas coisas feitas à pressa, desinformadas, sem contextualização, sacos de poemas. Esta Antologia da Poesia Britânica Contemporânea, como, de resto, as outras duas mencionadas no início deste texto, foi organizada por Manuel de Seabra. Abre com um pequeno prefácio, não só bem informado, como bem escrito, onde o essencial é introduzido: estamos já no território da poesia mais informal, onde, à excepção do efémero movimento Apocalípticos e da tendência conhecida por The Movement, o que conta é a voz individual: «não há uma grande uniformidade na poesia britânica contemporânea. Não há tendências dominantes, linhas concentrantes. Cada poeta é ele próprio» (p. 9). Dos poetas mais conhecidos do público português, temos Charles Tomlinson (1927), com recolhas publicadas na Cotovia e na Relógio D’Água, o excelente Thom Gunn (1929) – ver, por exemplo, o livrinho A Destruição do Nada e Outros Poemas, publicado na Relógio D’Água -, Ted Hughes (1930) e a grande Sylvia Plath (1932), assim como Ian Hamilton (1938), com um volume editado na Cotovia. Além destes, há pelo menos mais quarenta autores antologiados. Seria fastidioso citá-los todos, até porque serão de interesse muito subjectivo. Importa referir que são autores nascidos entre 1924 e 1948, o que nos garante uma vista considerável da poesia britânica em pelo menos metade do século XX. A reter, entre outros: o surrealismo de John Digby (1938), a “aparente quotidianidade” de Harry Guest (1932), a tonalidade “pop” de Barry MacSweeney (1948) e de Roger McGough (1937), a “poesia de protesto” de Adrian Mitchell (1932), o “neo-realismo” de Alan Sillitoe (1928) e o experimentalismo de um tal de W. G. Shepherd (1935), do qual deixo este curioso poema:
PORCO CUPIDO
A minha miúda
é um bife que respira,
dois bocados de acompanhamento bordado.
Um prato que sorri provocou um homem faminto,
agora vou alimentar-me.
Meu talher é um bastão
disciplinário de sangue.
Meu fito
é um buraco castanho,
a campa do amor.
O filho da minha miúda
é este ursinho
sentado na almofada em assustado silêncio.
Lindo.
O meu cérebro é concreto.
Meu apelo é culpado.
Meu sangue dói.
PORCO CUPIDO
A minha miúda
é um bife que respira,
dois bocados de acompanhamento bordado.
Um prato que sorri provocou um homem faminto,
agora vou alimentar-me.
Meu talher é um bastão
disciplinário de sangue.
Meu fito
é um buraco castanho,
a campa do amor.
O filho da minha miúda
é este ursinho
sentado na almofada em assustado silêncio.
Lindo.
O meu cérebro é concreto.
Meu apelo é culpado.
Meu sangue dói.
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