Björk é a comovente Selma Jezkova do musical Dancer in the Dark (2000). O simples facto de ser emigrante confere à personagem um tipo de deslocação social que já tínhamos observado, embora mais subtilmente, nas mulheres anteriores. Há igualmente um lado sacrificial em Selma, que vive em condições miseráveis de forma a poder amealhar o dinheiro necessário para pagar a operação que salvará o filho da cegueira. Traída por um vizinho que acaba por assassinar, numa cena onde vêm à superfície todos os paradoxos ético-morais concebíveis, Selma é condenada à morte. A situação frágil destas três mulheres adensa o carácter ambíguo das instituições que as condenam, sejam elas a igreja, a família ou a justiça.
É o mesmo carácter ambíguo que reencontramos em Dogville (2003) e Manderlay (2005), os dois primeiros filmes de uma trilogia dedicada aos EUA. A Grace de Dogville (Nicole Kidman) é “acolhida” numa pequena comunidade durante uma fuga pela sua liberdade, enquanto a Grace de Manderlay (Bryce Dallas Howard) foge pela sua liberdade depois de se ver refém de um grupo de escravos que procurou ajudar a libertar. Ambos os filmes são irónicos, chegando mesmo a ser cínicos no modo como desmascaram as verdades absolutas, os dogmas, uma pretensa axiomática da moralidade. Que todas as personagens centrais destes filmes sejam mulheres movidas por bons sentimentos, só pode ter um significado que não está nas minhas mãos decifrar. A verdade é que nenhuma das mulheres de Lars von Trier escapa, de uma forma ou de outra, ao prejuízo da bondade. Também é curioso que esta bondade apareça invariavelmente em situações de entrega configuradoras de comportamentos anómalos para os quais a rigidez da organização social não se mostra preparada. É provável que as mulheres de Lars von Trier não sejam apenas mulheres, é provável que elas representem a debilidade das utopias ou sejam apenas um pretexto para mostrar a dimensão mais macabra das instituições sociais. Também é provável que nada disto faça sentido, que o subtexto seja, ao fim e ao cabo, apenas um delírio de quem ainda não conseguiu entender serem estas personagens femininas uma consequência natural do realizador preferir actrizes a actores.
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