sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

ANTÍGONA

O primeiro livro desta série foi publicado por uma editora que pediu o nome emprestado a uma figura trágica da mitologia Grega. Ora, tornou-se convencional afirmar o nascimento da filosofia naquelas bandas ― algo sempre discutível, mais que não seja, de um ponto de vista filosófico. Mas mais discutível ainda é afirmar o aparecimento da filosofia na sequência de um esforço de reflexão organizada sobre a realidade, esforço esse notado em alguns pré-socráticos e já evidente em Sócrates. Porque não estou interessado em debater os pormenores da questão, creio que o drama popularizado por Sófocles é um exemplo bastante aceitável de como a filosofia pode extravasar as fronteiras do silogismo e revelar-se como uma dança sobre o palco da tragédia. Todos os conflitos de uma suposta moral ocidental estão contidos em duas peças trágicas fundamentais e fundadoras: a Antígona, de Sófocles, e o Prometeu Agrilhoado, de Ésquilo. Começo pela primeira por ser nela que encontramos esse tão velho quão humano conflito entre o ser e o dever ser, entre a afirmação da individualidade e a obediência passiva à lei. No fundo, é a própria essência do pensamento filosófico que aqui está em causa, já que sem desobediência à lei não há pensamento filosófico. Este nasce do espanto e da ruptura. Do espanto perante tudo o que se revela para lá de um olhar superficial sobre a realidade e da ruptura com essa superficialidade, a mesma que as escolas propagam com programas onde mais do que questionar convém mecanizar. Ao resolver agir segundo a sua consciência, Antígona não afirma apenas a sua liberdade individual contra a tirania de Creonte. Ela não personifica a arrogância de uma desobediência imponderada e inconsequente, nem representa tão-somente a coragem dos que optam por caminhos adversos. Ser condenada a não mais ver a luz do Sol e optar por agir no sentido da condenação é, antes de mais, uma declaração do ser, a força de uma afirmação que a poucos toca durante a existência. A luz do desengano prescinde da luz do Sol. Felizes os pobres de espírito, os que vivem enganados?

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