sexta-feira, 27 de março de 2009

EM RESPOSTA A LUÍS CARMELO

1- No mundo tecnológico e instantanista em que vivemos, crê que a literatura, tal como a aprendemos a significar pelo menos desde o Iluminismo, ainda tem sentido?

O livro sólido, com peso de papel manchado de tinta, continuará a ter sentido enquanto usarmos as mãos que ainda temos, e o som do virar da folha do livro que não desistimos de ler continuará a ter sentido - enquanto reconhecermos esse peso e esse som como elementos físicos e simbólicos do acto de ler. Mas o nosso corpo está a mudar, e um dia faremos o download de livros no nosso cérebro em poucos segundos. Nessa altura os livros serão ainda mais virtuais, exactamente como o nosso corpo.

2- Qual foi o último acontecimento literário, independentemente da sua natureza, que mais lhe tocou? Porquê?

Um acontecimento à minha (pequena) escala: as críticas arrasadoras, e em parte merecidas, ao primeiro romance de uma pessoa que conheço e prezo, depois de assistir à felicidade com que recebeu um prémio por esse mesmo livro.

3- Fale-nos resumidamente do seu último livro, como se estivesse a revê-lo em voz alta para um grupo de amigos.

“A Resistência dos Materiais” (Exodus, 2008): Uma alegoria sobre o poder, entre o branco (Maria, a mulher sem sombra) e o negro (Rafaela, a mulher com a sombra mais densa que existe), que eu tentei que fosse um exercício de liberdade de linguagem.

4- Pensa que a literatura e a rede poderão vir a ter, de algum modo, um destino comum?

A literatura e a rede têm um destino comum, que é o destino da linguagem. O universo é um problema de tradução, e o destino do universo é resolver esse problema. A comunicação é possível porque há distância entre mim e ti; porque nós não somos coincidentes. Mas o que a Rede faz é criar ligações entre as unidades de linguagem, entre os pontos do universo. Um dia todos os pontos desse texto estarão completamente linkados; nessa altura, estar aqui ou estar do outro lado do universo será exactamente a mesma coisa, porque ele será homogéneo e imóvel (quem está em todo o lado já não precisa de se mexer). E então, paradoxalmente ou talvez não, deixará de ser possível comunicar - porque estarão resolvidos todos os problemas da tradução. Pode ser que nesse dia uma amigável explosão nos volte a transformar em muitos. Novos materiais, novos problemas, e porventura “nós” menos mesquinhos e com viagens mais baratas até ao Brasil.

5- Refira dois autores e duas obras que o tenham marcado na sua carreira.

Vale por dois: o livro “Einstein para principiantes”, que li quando tinha 10 anos e dizia que espaço e tempo são relativos e dependem do movimento do observador.


Rui Costa nasceu no Porto em 1972. Estudou Direito em Coimbra e foi advogado durante seis anos, em Lisboa e Londres. Concluiu um mestrado em Saúde Pública em Leeds, Inglaterra. Actualmente é professor na Escola Superior de Saúde do Vale do Ave.
Em 2005 publicou “A Nuvem Prateada das Pessoas Graves” (Quasi Edições), livro vencedor do Prémio de Poesia Daniel Faria. Em 2007 recebeu, pelo romance “A Resistência dos Materiais”, o Prémio Albufeira de Literatura.

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