Antes de uma tarde inteira de papo para o ar na Arrifana, parámos numa mercearia junto ao mercado de Aljezur para comprar limas, pão e alho com fartura para os polvos. A Ana tinha combinado jantarada na mansão com um casal amigo. Quando vi as tropas chegarem, ia-me dando uma coisinha. Depois de uma manhã em que passaram por aqui, vá lá, um homem e uma mula, cinco putos e dois casais e meio é muita fruta. Quase certo que me vão espantar os grilos. Tudo bem contado, éramos 7 adultos e 7 crianças, 14 bocas famintas e sedentas. Despachámos primeiro os pequenos, para depois darmos ao dente livre e descansadamente. Já com os polvos cozidos, a Ana chamou-me para o bico do fogão enquanto descascava batatas. Enchi uma frigideira de azeite, descarreguei para lá alho em doses generosas e, já com o lume desligado, embebi os coentros naquele magnífico aroma que serviu para regar os tentáculos da bicharada. Ficou um chorar por mais. No entanto, confesso que não me desajeitando ao fogão sinto-me muito mais à vontade na grelha. É de volta da brasa, com uma caipirinha por companhia, que os meus olhos brilham. Ainda ontem, quando ateava o lume para as febras que as visitas trouxeram, lembrei-me dos olhos da Adília Lopes fixados no lume enquanto eu e o Moura assávamos um chouriço no Clandestino, ao Bairro Alto. Estou convencido de que o meu olhar não há-de ser muito diferente quando meto a mão na grelha, borrifo as brasas, viro as carnes, espreito a gordura dos peixes a escorrer sobre o fogo. É um olhar dividido entre o fascínio e a alucinação, um olhar primitivo, de um espanto infantil. Fico a olhar as brasas, atento às chamas que o carvão possa cuspir contra as carnes, como se olhasse uma paisagem dos primórdios do mundo. É para lá que viajo, para os primórdios do mundo, sempre que ateio as pinhas e meço o calor às brasas.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
A CHAMA
Antes de uma tarde inteira de papo para o ar na Arrifana, parámos numa mercearia junto ao mercado de Aljezur para comprar limas, pão e alho com fartura para os polvos. A Ana tinha combinado jantarada na mansão com um casal amigo. Quando vi as tropas chegarem, ia-me dando uma coisinha. Depois de uma manhã em que passaram por aqui, vá lá, um homem e uma mula, cinco putos e dois casais e meio é muita fruta. Quase certo que me vão espantar os grilos. Tudo bem contado, éramos 7 adultos e 7 crianças, 14 bocas famintas e sedentas. Despachámos primeiro os pequenos, para depois darmos ao dente livre e descansadamente. Já com os polvos cozidos, a Ana chamou-me para o bico do fogão enquanto descascava batatas. Enchi uma frigideira de azeite, descarreguei para lá alho em doses generosas e, já com o lume desligado, embebi os coentros naquele magnífico aroma que serviu para regar os tentáculos da bicharada. Ficou um chorar por mais. No entanto, confesso que não me desajeitando ao fogão sinto-me muito mais à vontade na grelha. É de volta da brasa, com uma caipirinha por companhia, que os meus olhos brilham. Ainda ontem, quando ateava o lume para as febras que as visitas trouxeram, lembrei-me dos olhos da Adília Lopes fixados no lume enquanto eu e o Moura assávamos um chouriço no Clandestino, ao Bairro Alto. Estou convencido de que o meu olhar não há-de ser muito diferente quando meto a mão na grelha, borrifo as brasas, viro as carnes, espreito a gordura dos peixes a escorrer sobre o fogo. É um olhar dividido entre o fascínio e a alucinação, um olhar primitivo, de um espanto infantil. Fico a olhar as brasas, atento às chamas que o carvão possa cuspir contra as carnes, como se olhasse uma paisagem dos primórdios do mundo. É para lá que viajo, para os primórdios do mundo, sempre que ateio as pinhas e meço o calor às brasas.
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1 comentário:
Lamento, todo o efeito pretendido desmaia com a alusão à vil caipirinha. Uma contradição de termos, o elogio do palato e da sua satisfação face á confissão de tal (adocicado) modismo
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