quinta-feira, 20 de agosto de 2009

PRAIA




Quero aqui dar graças ao Dr. Gambino pela receita de Formoterol e Miflonide, que me tem permitido fumar sem quaisquer constrangimentos. Neste aspecto, sinto-me em perfeita sintonia com Hans Castorp, que não conseguia perceber como há pessoas que não fumam. Não vou ao ponto de asseverar que não teria coragem para me levantar se soubesse que não tinha tabaco para o dia, mas agrada-me a comparação que a personagem de Thomas Mann faz entre o acto de fumar e estar na praia: «estamos simplesmente na praia e não precisamos de mais nada, nem de trabalho nem de diversão». Durante muito tempo fugi da praia como o diabo da cruz. Foi a Ana quem me pegou o vício. Hoje em dia, não passo sem um mergulho na água salgada, o corpo enrolado na areia, um passeio à beira-mar. A vantagem da maioria das praias que frequentamos por aqui é a dificuldade do acesso. Os promontórios, as altas falésias, abrigam-nos de ventos indesejáveis e das hordas turísticas que invadem as praias rasas de dunas e de areais relativamente extensos. Em algumas delas, sentiria falta de uma esplanada não fosse o caso de me ter artilhado de uma geleira com doses de minis suficientes para uma tarde bem passada. Dispenso assim esplanadas e cafés à beira-mar, costumam ser caros, sujos e demorados no atendimento. Com a geleira à mão, estica-se o braço e regala-se a garganta. Intercalo mergulhos de sol e de mar, com algumas leituras e brincadeiras na areia. A Beatriz tem receio das ondas, mas a Matilde é afoita. Quando a maré vaza, um espectáculo de flora outrora submersa dá à costa. É como se as rochas se levantassem do sono e ali viessem entreter-nos com indescritíveis arco-íris de algas, limos e outros tipos de vegetação cujo nome desconheço nem faço questão de conhecer. Prefiro deixar os olhos regalarem-se nas cores sem buscar nomes para o regalo, prefiro sentir o gozo sem o nomear, prefiro andar pelas rochas, avistando uma estrela-do-mar ou um viveiro de lesmas sem mexericar nesses incríveis fenómenos com as antenas dos dicionários. Noutros anos, quando me levantava às seis da manhã para ir aos polvos na companhia do Vivaldo e do Luís, aprendi muitas palavras novas que não fazem justiça ao prazer proporcionado por andar entre essas coisas sem lhes saber o nome. O espanto de as visitar anonimamente é muito mais agradável. De resto, ninguém apanha polvos por saber que se chamam polvos. E quase sempre regressámos a casa com pouco mais do que um balde cheio de percebes e meia dúzia de santolas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Grande provocador :)
[fallorca]