quinta-feira, 20 de agosto de 2009

MAR




Tanta conversa sobre provisões de guerra, e quase me esquecia do essencial: o mar. Sobre o mar já muitas e belas páginas foram escritas, não posso senão proferir banalidades, redundâncias, lugares-comuns. Tenho-lhe respeito. Sinto pela força do oceano algo semelhante ao que os nómadas do deserto sentem pelas tempestades de areia, o mesmo tipo de respeito e admiração que alguns povos declaram pelas erupções vulcânicas, pelas monções, pelos tornados. Sabemo-lo traiçoeiro, perigoso, inexorável, mas não resistimos ao seu apelo. A beleza dos grandiosos elementos da natureza reside na capacidade com que nos reduzem à insignificância que ao longo dos tempos procurámos iludir com supostas conquistas e engenhosas invenções. Ao pé desses elementos, somos animais de talentos muito limitados, tudo se torna ínfimo e insignificante. Que podemos almejar de um mergulho no Mar Oceano? Se formos sensíveis e honestos, uma expurgação da arrogância com que enfrentamos a vidinha quotidiana. É interessante notar que essa mesma expurgação pode ser experienciada com uma simples caminhada matinal. Hoje, por exemplo, levantei-me às 8 da manhã, meti A Montanha Mágica às costas e fui até ao Rogil. Levava fisgados um café e uma aguardente de medronho nos Três Arquinhos, na companhia de uma fauna à qual sacamos diálogos tão estimulantes como este: − Precisas de serventes? − De cervejas? − Também gosto. E entre vários tirinhos a conversa vai fazendo caminho, numa mesa repleta de velhas glórias do mar convertidas à construção civil. O mundo está a mudar. Exemplos: a aguardente de medronho foi substituída por bagaço, os pescadores transformaram-se em pedreiros, a vizinhança desapareceu (a velhota que vivia 150 metros a sul atirou-se para dentro de um poço, ao velhote que vivia 100 metros a norte, produtor de uma aguardente de aroma e textura inigualáveis, falhou o coração). No mar só se vêem turistas de fato de mergulho e um ou outro resistente da pesca à linha. Só o escaravelho americano, que dá cabo de tudo, veio para não mais partir. Não me censurem, pois, por ceder à caipirinha enquanto abano a brasa. Muito antes das minhas fraquezas, um senhor chamado Scieffelin povoou a América com estorninhos e milhões de elementos das tribos Cheyenne, Comanche, Apache, Navajo, etc., foram esquartejados por causa do comércio das peles e do tabaco. É óbvio que não deixo o meu paladar ser colonizado sem regras. As caipirinhas que bebo, sou eu ou os amigos que as fazem. Devo ao Álvaro a iniciação. Raspo as limas, esmago-as o mais possível enquanto misturo o suco com açúcar louro; despejo o xarope para um shaker com gelo bem picado e uma dose considerável de cachaça; misturados os elementos, verto o líquido para um copo com mais gelo e polvilho tudo no final com as aparas das limas. A vantagem da caipirinha relativamente ao vodka 7, que durante vários anos imitei do Bukowski, é o ácido das limas, que evita enjoos indesejáveis e oferece ressacas mais facilmente recuperáveis. Para dizer a verdade, nunca ressaquei de caipirinhas. Acompanho o peixe grelhado ou as carnes, os polvos ou outro petisco qualquer, com vinho ou cerveja. Portanto, ressaco das misturas. Nunca de uma coisa só. Mas julgo que dá me adiantei demasiado num texto que deveria ser apenas sobre o mar, essa auto-estrada de colonizações que muito recentemente começou a vingar-se da unilateralidade.

3 comentários:

paulo da ponte disse...

Tá-se bem na Costa Vicentina...bem vejo. Também aí estive entre 18 de Julho e 5 de Agosto a ensaiar carreirinhas nas ondas do Amado. Abraço

jp disse...

No momento certo a caipirinha é uma bebida extraordinária e um mergulho é mesmo uma expurgação, até porque é um regresso ao começo.
Boas férias, mergulhos e caipirinhas.

Anónimo disse...

Deixa de coisas e bebe!