domingo, 6 de setembro de 2009

UMA MULHER DE PAIXÕES


Li algures que Marina Ivanovna Tsvetáeva, nascida em Moscovo no dia 6 de Setembro de 1892, era uma mulher de paixões. Filha de um professor universitário e de uma pianista de origem polaca, foi forçada com a irmã mais nova, Anastassia, a sacar das teclas do piano uma música que acabou por transportar para a poesia. Após a morte da mãe, vitimada de tuberculose em 1906, estudou em alguns liceus de Moscovo... Começa a publicar em revistas e, logo em 1910, edita o seu primeiro livro: Álbum Nocturno (que também aparece, por vezes, traduzido como Álbum Vespertino ou Álbum da Tarde). Começa a conviver com a malta da cultura, entre os quais aquele com quem viria a casar-se em 1911: Serguei Iakovlevitch Efron. No entanto, o casamento não a impediu de outros convívios apaixonados com gente tão diversa como Sofia Parnok, Ossip Mandelstam, Serguei Esenin, Konstantin Rodzevitch, Rainer Maria Rilke e Boris Pasternak. Mãe de dois filhos, de seus nomes Ariana e Gueórgui (Irene, a segunda filha, morreu de fome num asilo), Marina manteve com Serguei uma relação bastante liberal. Efron explicava as necessidades de Tsvetáeva recorrendo a metáforas meteorológicas: «A man is invented and the hurrican begins. If the insignificance and narrowness of the hurricane's arouser is quickly revealed, then Marina gives way to a hurricane of despair». Uma vida completamente livre parecia ser o objectivo. Quem a pode censurar? Talvez a revolução de 1917, que atropelará esta vida livre como um comboio a passar por cima de um corpo inofensivo. Efron alista-se no Exército Branco e deixa Marina sozinha em Moscovo. A autora de Lanterna Mágica procura combater a solidão e algumas privações com a escrita de poemas-contos, peças de teatro, ensaios, poemas, diários. Em 1921 parte para Praga ao encontro de Serguei. As relações entre ambos começam a deteriorar-se depois do affaire entre Marina e Konstantin Rodzevitch. Efron preocupa-se com a forma como a poeta se aproveita das paixões na obra que vai erguendo. Mudam-se para Paris em Novembro de 1925. Em 1926, ao longo do Verão, Marina mantém uma correspondência triangular com Pasternak e Rilke, «que constitui uma das relações amorosas mais fecundas no universo da escritora, onde muitas vezes quase não se distinguem a realidade e a imaginação» (Fernando Pinto do Amaral, in prefácio a O Poeta e o Tempo). Publica Depois da Rússia, o seu último livro dado à estampa em vida, em 1928: «extensa recolha de 186 poemas, (…) [que] engloba muita da poesia de Tsvetáeva escrita na emigração: Berlim e Praga principalmente. Trata-se de uma poesia do depois, logo de ruptura e de perda, de desencontro e de busca» (Nina Guerra e Filipe Guerra, Relógio D’água, Novembro de 2001). Incompatibilizada com os russos exilados, regressa à URSS, em 1939, num gesto de cumplicidade para com Efron, aí embrenhado numa série de complicações políticas. «Mas a Rússia a que Marina Tsvetayeva voltou era já uma Rússia de guerra e esperavam-na novas privações, a evacuação, e todo aquele grande sofrimento» (Manuel de Seabra, Antologia da Poesia Soviética). Vive com a família numa pequena casa nos arredores de Moscovo. Ariana é internada num campo de concentração, Efron acaba por ser detido e Marina fica novamente sozinha com o filho. Sobrevive de traduções até lhe ser suportável o mundo em que então existia. Serguei Iakovlevitch Efron é fuzilado em Outubro de 1941, Ariana é condenada a 8 anos de trabalhos forçados, Marina é evacuada para Elábuga com Gueórgui. Aproveitando a ausência deste numa jornada de trabalho forçado, «enforca-se, vindo provavelmente a ser sepultada numa vala comum». A 31 de Agosto de 1941 uma mulher apaixonada morreu pendurada numa corda, deixando a balançar num corpo inerte as paixões que lhe deram vida, ou seja, liberdade. Tanto Efron, o executado, como Marina, a suicidada, foram vítimas de uma cultura ocidental que vota ao ostracismo e tortura e mata aqueles que arriscam ser algo mais que uma existência ao serviço da LEI. Gueórgui, o filho, morrerá na frente de combate em 1944.

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