O poeta Guilherme de Faria, que se atirou para a Boca do Inferno com apenas 21 anos, faria hoje 102 se fosse vivo. Mas: «A vida não é um sonho de ansiedade / Inútil de sofrer, / Que, para além da vida, há uma verdade /– E temos de morrer!» Não é voz que me console «na mortal agonia desta imperceptível contemporaneidade» (Fernando Guerreiro). Um pouco como o que acontece em L'odore del sangue. Tudo aparenta um equilíbrio que implode quando se intromete um jovem prepotente na vida do casal. A prepotência tem o seu encanto, e ela deixa-se encantar pelo músculo da prepotência. A idade esconde misteriosas inclinações. Ele conhecia-lhe outros amantes, ela suportava-lhe outro amor. Digamos que eram liberais na forma como materializavam o amor intelectualizado. Longe de casa, no campo, com a amante, ele não podia prever a cretinice da sua teoria: no amor não há exclusividade. E no ciúme? O problema é este: nenhum amor se circunscreve à racionalização das emoções. É tudo esquivo, ilógico, indeterminável, imprevisível, não há conceptualização possível do amor. Quando menos se espera, o cheiro do sangue vem-nos às ventas e a náusea provoca o vómito. O oposto é mera foda, é a verdade da vida: temos de morrer. Nos entrementes cumpre-se a pele.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
CUMPRIR A PELE
O poeta Guilherme de Faria, que se atirou para a Boca do Inferno com apenas 21 anos, faria hoje 102 se fosse vivo. Mas: «A vida não é um sonho de ansiedade / Inútil de sofrer, / Que, para além da vida, há uma verdade /– E temos de morrer!» Não é voz que me console «na mortal agonia desta imperceptível contemporaneidade» (Fernando Guerreiro). Um pouco como o que acontece em L'odore del sangue. Tudo aparenta um equilíbrio que implode quando se intromete um jovem prepotente na vida do casal. A prepotência tem o seu encanto, e ela deixa-se encantar pelo músculo da prepotência. A idade esconde misteriosas inclinações. Ele conhecia-lhe outros amantes, ela suportava-lhe outro amor. Digamos que eram liberais na forma como materializavam o amor intelectualizado. Longe de casa, no campo, com a amante, ele não podia prever a cretinice da sua teoria: no amor não há exclusividade. E no ciúme? O problema é este: nenhum amor se circunscreve à racionalização das emoções. É tudo esquivo, ilógico, indeterminável, imprevisível, não há conceptualização possível do amor. Quando menos se espera, o cheiro do sangue vem-nos às ventas e a náusea provoca o vómito. O oposto é mera foda, é a verdade da vida: temos de morrer. Nos entrementes cumpre-se a pele.
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