Tanto ela como ele sabem despir-se para o público, não conseguem despir-se um para o outro. Vivem uma encenação que não pode ser ultrapassada pela mera transfiguração do cenário. É como se tivessem esvaziado as vidas desse espectro cinzento ao qual normalmente se dá o nome de intimidade. É por estas e por outras que um homem está sempre a tempo de… ser o que sempre foi. Há quem passe pela vida enganado, há quem passe desenganado. Não há vidas perfeitas. Mas as cicatrizes são como o algodão: não enganam. Alguns homens orgulham-se das cicatrizes que trazem evidentes, fazem questão de exibi-las e inventam uma história para cada uma delas. Outras cicatrizes não merecem senão ser esquecidas, mesmo que o esquecimento se esqueça de esquecê-las. O diálogo é óbvio:
− Esqueci-me.
− De quê?
− Esqueci-me.
− Mas de quê?
− Esqueci-me.
Lembramo-nos de que esquecemos alguma coisa, mas não conseguimos lembrar o quê. Sabemos apenas que esquecemos, esquecemo-nos do que nos esquecemos. Aquilo que foi esquecido pode ter ficado nos escombros de um edifício em ruínas, pode ter ficado sob o pó de uma sala devoluta, pode ter ficado algures, entre a vontade de mudar e a inevitabilidade de ser. Uns são as cicatrizes que trazem à superfície, outros são a superfície das cicatrizes. Outros passam ao lado disto tudo porque se julgam incólumes, impermeáveis, protegidos da ferida que os há-de corroer até ao ponto miserável de não conseguirem olhar para o mundo senão vendo-se sempre a si próprios. Obscurecido pelas marcas, aquilo que cada um é. E disso não se fazem strips, apenas espectáculos, encenações.
1 comentário:
Lembremo-nos de esquecer e colocar de lado o esquecimento.
Quando lembram-mos que esquecemos, o sentimento é um bocado inútil.
-E agora?
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