O Sr. Eugenio Montale manda dizer que viveu a cinco por cento. Pede, pois, que não lhe aumentemos a dose. É verdade que não deixou muito para queimar, parte do espólio foi arrastada numa tempestade em Florença. Mas vai queimando algumas das nossas pestanas. Nasceu em Génova, no dia 12 de Outubro de 1896, sexto filho de Domenico Montale e de Giuseppina Ricci, família abastada com negócios na indústria dos produtos químicos. A saúde frágil interrompeu-lhe os estudos convencionais, cabendo ao petiz uma formação auto-didáctica que, vistas as coisas, não resultou nada mal. Perdeu-se um aprendiz de feiticeiro, ganhou-se um estudante voluntarioso. Quis ser cantor de ópera, mas a morte de Ernesto Sivori, o professor de canto, em 1923, fê-lo mudar de ideias. Entretanto, tinha começado a publicar os primeiros poemas em revistas, tinha lido Schopenhauer e Bergson, tinha sido mobilizado para a frente de Vallarsa, tinha conhecido Roberto (Bobi) Bazlen «judeu triestino, que exercerá sobre ele uma grande influência e que o fará conhecer algumas das mais importantes mulheres da sua vida e da sua obra». A boa relação com o judeu Bazlen explica, entre outras coisas, a firme postura antifascista, consolidada com a subscrição do manifesto anti-fascista de Benedetto Croce. Ossi di Seppia, o primeiro livro, foi publicado em 1925 por Piero Gobetti, um intelectual de Turim amigo de Gramsci. São anos de afirmação política e literária. Conhece pessoalmente Italo Svevo, Umberto Saba, entre outros escritores e intelectuais da época. Contudo, estas conexões políticas não se reflectem claramente na sua obra. Ossi di Seppia, o primeiro livro, fica associado a uma paisagem hermética, desolada e sombria, certamente influenciada pela leitura d’A Terra Devastada de T. S. Eliot. As Ocasiões, o segundo livro, reflecte uma linguagem mais intimista e introspectiva com um destinatário feminino, uma tal de Clizia, que se julga ter sido uma americana judia chamada Irma Brandeis. Cito, do prefácio que José Manuel de Vasconcelos dedicou à Poesia de Montale: «em Montale a presença de mulheres é permanente, muitas vezes associadas ao referido tu destinatário, companheiras de memórias». Entre elas, destacar-se-á Mosca, ou seja, Drusilla Tanzi, uma judia triestina, mulher do crítico de arte Matteo Marangoni, que Montale conhece em 1927 e com quem casará quase 30 anos depois. Até lá, o poeta será nomeado director do Gabinete Vieusseux, cargo do qual será dispensado por não estar inscrito no Partido Nacional Fascista. Viaja, ganha prémios, convive com vários escritores, dedica-se à tradução e escreve artigos para jornais. Em 1939, recusa partir para os EUA com Irma Brandeis e passa a viver com Drusilla Tanzi: «Tu sabes bem: devo perder-te de novo e não posso. / Como um tiro certeiro me abala / cada acção, cada grito e mesmo o sopro / salino que se agita / nos molhes e faz a sombria primavera / de Sottoripa». Depois da II Grande Guerra, Montale funda o Il Mondo, começa a pintar, colabora com o Corriere della sera, muda-se para Milão, faz crítica musical, viaja, participa em conferências, conhece Camus, Éluard, Francis Ponge, René Char, entrevista Hemingway, recebe vários prémios, doutoramentos honoris causa, tudo a cinco por cento. Drusilla Tanzi morre no dia 20 de Outubro de 1963: «Querido pequeno insecto / a que chamavam mosca não sei porquê / esta tarde quando já escurecia / enquanto eu lia o Deutero Isaías / reapareceste junto de mim, / mas não tinhas óculos, / não podias ver-me / nem eu podia sem aquele brilho / reconhecer-te na neblina». Dizem os biógrafos que «conhece várias outras mulheres inspiradoras: a bailarina Carla Fracci, Adelaide Bellingardi, empregada numa loja de Roma, a americana Muschka Von Nagel, Sandra Fagioli e Barbara Mattioli». Não obstante, cremos que Mosca foi a Musa das Musas. O Prémio Nobel da Literatura é-lhe atribuído em 1975. Morre a 12 de Setembro de 1981, sendo sepultado junto daquela que, entre muitas, foi a sua única mulher:
A vida oscila
entre o sublime e o imundo
com alguma propensão
para o segundo.
Saberemos mais acerca disso
depois das últimas eleições
que se farão lá em cima
ou lá em baixo ou em lugar algum
porque fomos já eleitos
todos nós
e quem o não foi
está bem melhor aqui em baixo
e quando se dá conta
é tarde demais
les jeux sont faits
diz o croupier pela última vez
e com a sua pá
vai varrendo as cartas.
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