TRÊS
ANDAMENTOS
A
isto, apenas a isto nos obrigamos:
às segundas começa a banda sonora
das nossas vidas. E logo termina.
Semana a semana, fazem-se os dias
de canções, de vozes, dos versos
que povoam a memória como sinais
que não sabemos bem, nem mal, de quê.
A música é este não saber de quê
mais do que saber-se de tudo.
Voltamos
atrás no tempo, voltamos
à frente nos sonhos, porque sentimos,
sentimos que mais tarde ou mais sendo
também nós haveremos de murmurar:
«um homem como eu só te trará miséria.»
Não afogamos aqui as nossas penas,
apenas as depenamos. E logo lamentamos:
o
karaoke deu cabo das bandas, depois
chegaram os concursos semifrios,
eram mais os júris do que as vozes,
pobres vozes, paredes enfeitadas
com bonecos Playmobil, bebidas da casa
para consumo interno, a imprensa
atarefada atrás do rissol, verdade
ou consequência, o júri nas páginas
centrais das vozes. Nem ouvi-las.
«Ainda
sou do tempo em que havia
música ao vivo nos bares.» O país acabou
ao balcão, foi bebido de um trago
enquanto a música dançava nos ouvidos
dos surdos. À nossa frente, uma montra
de garrafas velhas e ninguém
para com elas dormir a noite inteira.
Esta
noite seremos abençoados
pelos tiros certeiros da melancolia,
seremos novamente o corpo das sombras.
E nenhum obstáculo deterá a tristeza
com que brindaremos a alegria,
nenhum obstáculo deterá o disparo
lento da morte na artéria da solidão.
Muito lentamente, tão lentamente
quanto o rosto na nuvem do café escaldante,
acabaremos com o país ao balcão.
Henrique
Manuel Bento Fialho, in “Divina Música – Antologia de Poesia sobre Música”,
organização de Amadeu Baptista, edição comemorativa do 25.º aniversário do
Conservatório Regional de Música de Viseu (1985-2010), Proviseu – Associação para
a Promoção de Viseu e Região, Dezembro de 2009, pp. 80-81.
Poemas
de Adalberto Alves, Affonso Romano de Sant’Anna, Albano Martins, Alexandra
Malheiro, Alexandre Vargas, Alexei Bueno, Amadeu Baptista, Ana Hatherly, Ana
Luísa Amaral, Ana Mafalda Leite, Ana Marques Gastão, Ana Salomé, Ana Sousa,
António Brasileiro, António Cabrita, António Cândido Franco, António Ferra,
António Gregório, António José Queirós, António Osório, António Rebordão
Navarro, António Salvado, Artur Aleixo, Bruno Béu, C. Ronald, Camilo Mota,
Carlos Filipe Moisés, Carlos Garcia de Castro, Casimiro de Brito, Cláudio
Daniel, Cristina Carvalho, Daniel Abrunheiro, Daniel Maia-Pinto Rodrigues,
Danny Spínola, David Reis, Donizete Galvão, E. M. de Melo e Castro, Edimilson
de Almeida Pereira, Eduardo Bettencourt Pinto, Eduíno de Jesus, Ernesto
Rodrigues, Eunice Arruda, Fernando de Castro Branco, Fernando Echevarría,
Fernando Esteves Pinto, Fernando Fábio Fiorese Furtado, Fernando Grade,
Fernando Guimarães, Fernando Pinto do Amaral, Francisco Curate, Gonçalo
Salvado, Graça Magalhães, Graça Pires, Henrique Manuel Bento Fialho, Hugo
Milhanas Machado, Iacyr Anderson Freitas, Inês Lourenço, Isabel Cristina Pires,
Jaime Rocha, Joaquim Cardoso Dias, João Aparício, João Camilo, João Candeias,
João Manuel Ribeiro, João Moita, João Rasteiro, João Rios, João Rui de Sousa,
João Tala, Joaquim Feio, Jorge Arrimar, Jorge Reis-Sá, Jorge Velhote, José
Agostinho Baptista, José Carlos Barros, José do Carmo Francisco, José Luís
Mendonça, José Luís Peixoto, José Manuel Vasconcelos, José Mário Silva, José
Miguel Silva, José Tolentino de Mendonça, Júlio Polidoro, Levi Condinho, Luís
Amorim de Sousa, Luís Filipe Cristóvão, Luís Quintais, Luís Soares Barbosa, manuel
a. domingos, Margarida Vale de Gato, Maria Andersen, Maria Estela Guedes, Maria
João Reynaud, Maria Teresa Horta, Miguel-Manso, Miguel Martins, Myriam Jubilot
de Carvalho, Nicolau Saião, Nuno Dempster, Nuno Júdice, Nuno Rebocho, Ondjaki,
Ozias Filho, Patrícia Tenório, Paula Cristina Costa, Paulo Ramalho, Paulo
Tavares, Prisca Agustoni, Risoleta Pinto Pedro, Roberval Alves Pereira, Rosa
Alice Branco, Rui Almeida, Rui Caeiro, Rui Cóias, Rui Costa, Ruy Ventura, Sara
Canelhas, Soledade Santos, Teresa Tudela, Torquato da Luz, Urbano Bettencourt,
Vasco Graça Moura, Vera Lúcia de Oliveira, Vergílio Alberto Vieira, Victor
Oliveira Mateus, Virgílio de Lemos, Vítor Nogueira, Vítor Oliveira Jorge,
Yvette K. Centeno, Zetho Cunha Gonçalves.
às segundas começa a banda sonora
das nossas vidas. E logo termina.
Semana a semana, fazem-se os dias
de canções, de vozes, dos versos
que povoam a memória como sinais
que não sabemos bem, nem mal, de quê.
A música é este não saber de quê
mais do que saber-se de tudo.
à frente nos sonhos, porque sentimos,
sentimos que mais tarde ou mais sendo
também nós haveremos de murmurar:
«um homem como eu só te trará miséria.»
Não afogamos aqui as nossas penas,
apenas as depenamos. E logo lamentamos:
chegaram os concursos semifrios,
eram mais os júris do que as vozes,
pobres vozes, paredes enfeitadas
com bonecos Playmobil, bebidas da casa
para consumo interno, a imprensa
atarefada atrás do rissol, verdade
ou consequência, o júri nas páginas
centrais das vozes. Nem ouvi-las.
música ao vivo nos bares.» O país acabou
ao balcão, foi bebido de um trago
enquanto a música dançava nos ouvidos
dos surdos. À nossa frente, uma montra
de garrafas velhas e ninguém
para com elas dormir a noite inteira.
pelos tiros certeiros da melancolia,
seremos novamente o corpo das sombras.
E nenhum obstáculo deterá a tristeza
com que brindaremos a alegria,
nenhum obstáculo deterá o disparo
lento da morte na artéria da solidão.
Muito lentamente, tão lentamente
quanto o rosto na nuvem do café escaldante,
acabaremos com o país ao balcão.

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