terça-feira, 15 de dezembro de 2009

UM JOVEM POBRE


Há vidas assim, vidas que vale a pena conhecer um pouco melhor, vidas que geram obras, obras que são devidas à vida. 13 de Dezembro de 1911, Niles, Ohio, nasce pobre, cresce pobre, joga à bola, trabalha numa fábrica, ainda menino, trabalha numa fábrica onde ajuda o pai, um operário siderúrgico que não pode, por falta de recursos económicos, sustentar os estudos do filho. Perde a irmã Kathleen na sequência de um atropelamento. Vidas. É verdade que cumpriu os estudos básicos, até publicou alguns textos no jornal escolar, foi apresentado às palavras de Melville, Dante, Shakespeare, entre outros. É verdade que ainda frequentou a Universidade, no Wisconsin, publicou um soneto no New York Times, foi para o Arkansas, pôs-se a andar, fez-se à vida. Vidas. Trabalhou como jardineiro, operário fabril, entre tantas outras actividades enquanto percorria a América do Norte. Foi em trânsito que conheceu e se apaixonou por Miriam Oikemus, durante uma festa de Natal, com quem veio a casar-se em 1934 depois de muitos poemas de amor com dedicatória. Viveram em Greenwich Village, cenário que suportou a escrita do primeiro livro de poemas: Before the Brave (1936). Miriam foi a bengala de que o jovem pobre carecia para poder dedicar-se à escrita, mais ainda depois de uma lesão na espinha que o paralisou em 1937. Sucessivas cirurgias não lhe resolveram a maleita, a qual também não o impediu de ganhar uma bolsa de estudo Guggenheim, escrever mais de quarenta livros de poesia, teatro, prosa, colaborar com John Cage na criação de uma peça radiofónica, estimular o desenvolvimento da chamada Jazz Poetry, inspirar dadaístas, beats, surrealistas, ler poesia acompanhado por agrupamentos de Jazz, enveredar pela chamada poesia experimental e visual, compor variadíssimos picture poems, ser um empenhado pacifista. Poetas como Eliot, William Carlos Williams, e. e. cummings, foram amigos generosos. Em 1967, recebeu da National Foundation on the Arts and Humanities um prémio pela contriuição para a cena literária norte-americana. Mudado com a mulher para Palo Alto, na Califórnia, pereceu a 8 de Janeiro de 1972. Eis um exemplo da sua arte:

REPOUSA, CORAÇÃO DO EXAUSTO MUNDO

Repousa, coração do exausto mundo.
Schiu… adormece.
Homens e cidades mantêm suas frias e terríveis vigílias,
E o oceano rói estas nuas terras da dor.
Schiu… e adormece.

Esta rubra chuva…
Respirar…
Chorar…

Amar onde um só crime se cumpriu…
Achar mocidade, e fé, e a súbita congénie delas,
Sepultas fundo em gralhantes câmaras de horror…
Não.
É que não sabemos ver,
Que não sabemos ouvir
Que não sabemos cheirar,
Saborear, sentir, pensar;
Pois que decerto nenhum crer em céu ou terra
Suportaria o que, parece, possuímos;
Vivemos na sombra de uma sombra maior —
Mas há o sol!
E dele o homem terá vida,
E alívio terá de tantos crimes
Da sua mais brutal habitação…

Ó repousa, coração do exausto mundo.
Schiu… e adormece.
Há um tão belo trabalho para todos os homens,
E acordaremos enfim dentro do sol.

in Perspectivas dos Estados Unidos – As Artes e as Letras, trad. Jorge de Sena, Portugália Editora, s/d, pp. 255-256.

4 comentários:

Manuel Anastácio disse...

Kenneth Patchen. Nega-se o nome aos leigos?

hmbf disse...

Ups... Tem toda a razão. Obrigado.

LdA disse...

Escreveu um livro de título irresistível que ando a galar há muito: "Memoirs of a Shy Pornographer" (publicado nos anos de 1940, claro está, pela New Directions do senhor James Laughlin).

Pedro Marques

hmbf disse...

É um título inspirador.