Fritz Lang foi o segundo marido de Thea von Harbou, actriz e escritora a quem devemos o romance que serviu de base a Metropolis (1927). Projecto ambicioso e inacabado, o filme de Lang mostra-nos um séc. XXI dominado por uma paisagem urbana, essencialmente industrial, de grandes edifícios erigidos sobre cavernosos mundos subterrâneos. À superfície, nos jardins eternos, vêem-se seios dissimulados por tecidos transparentes, vidas luxuosas e luxuriantes, sustentadas pela exploração da massa operária. Esta, confinada à engrenagem mecanizada da produção, limita-se a cumprir tarefas, horários, resignada, cabisbaixa, soterrada no seu próprio sufoco. O filme começa com uma mudança de turno e acaba por parecer moralmente ingénuo na mensagem final: O mediador entre o cérebro e as mãos tem de ser o coração. Há um catecismo inconsequente nestas palavras, mera retórica que tem garantido, ao longo da história da humanidade, o predomínio dos mais fortes (porque mais ricos) sobre os mais fracos (porque mais pobres). Seria necessário levar o cérebro à força bruta das mãos - e vice-versa - para que algo mudasse no coração dos homens, mas o coração dos homens não muda: é humano. E este parece-me ser o aspecto mais interessante do filme de Lang. Se bem observarmos, a ficção científica que caracteriza o argumento é clássica na sua origem. O inventor Rotwang quer vingar-se do todo-poderoso Joh Fredersen por lhe ter este roubado a amada. Uma história de amor e vingança, portanto, disfarçada pela revolta dos escravos, sempre tão voláteis na hora de agir. Ressalta à vista a incapacidade de organização voluntária das massas, necessitadas de mediadores que garantam um diálogo com as forças dominadoras. Matem as máquinas, o slogan apregoado pela mulher-máquina inventada por Rotwang, endrominará os corações frustrados do povo, para logo de seguida acabar a mulher-máquina, ironicamente, vítima do seu discurso. O curioso é que antes da mulher-máquina ter sido lançada à fogueira ninguém sabia que se tratava de uma máquina, todos julgavam tratar-se da “catequista messiânica que pregava a resignação”, uma bruxa. Incitados à revolta por um autómato disfarçado de messias, os escravos de Joh Fredersen, sem o saberem, tornam-se escravos ao serviço do vingativo Rotwang. Mas, ainda que revoltados, permanecem escravos. Não admira, por isso, que no final todos pareçam vítimas da fúria e entre o cérebro de Joh Fredersen e as mãos dos operários surja o coração do patético Freder, filho do ditador, a servir de ponte para aquilo que temos hoje: uma república de explorados que desprezam os exploradores ao mesmo tempo que, invejando-lhes a condição, tudo fazem para ser promovidos do mundo subterrâneo aos jardins da eternidade. No meio disto tudo, só a vingança do inventor Rotwang me parece verdadeiramente cativante. Pelo menos há nela o mérito de uma paixão, ecos de uma ferida amorosa que não sara, o coração em chamas que há-de faltar sempre ao homem do futuro, o homem-máquina que apregoa a revolta contra as máquinas, ou seja, contra si próprio.
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