terça-feira, 5 de janeiro de 2010

À TARDE

A tarde lenta cai. E cai também
Uma melancolia venenosa,
Meu Deus! que não sabe donde vem…

E vem como uma sombra vagarosa
Que chovesse dum céu crepuscular…
Vem subindo da terra dolorosa
Como um grande dilúvio de pesar,
Como um olhar de dor silenciosa
Que tentasse subir para as estrelas
E ficasse disperso pelo ar…

E vem do fundo de alma… Perscrutasse
A gente o coração pra sentir bem
Que é lá no fundo de alma que a dor nasce
E é de lá sobretudo que ela vem…

De lá! De lá do fundo! Bem do fundo
De nós mesmos… E, lenta, vem subindo
Aos olhos que a reflectem, reflectindo
Na nossa dor a dor de todo o mundo!

Dolorosamente
A tarde exausta morre de cansaço
E parece que sofre a natureza…
Anda uma luz de cinza pelo espaço
E lentamente
Envolve as coisas todas de tristeza…

E a tarde cai nos olhos e entristece-nos…

E toda a melancolia,
De lá do fundo de alma aonde está,
Vem-nos subindo aos olhos e escurece-os…

Os olhos escurecem e dir-se-ia
Que é de lá
Que a tristeza das coisas irradia…

A tristeza das coisas… Afinal,
Ó tristeza das coisas, tu existes
Dentro de nós, em nossas almas tristes,
Como um eco da dor universal!

Ó silêncio das coisas, é ouvindo
O próprio coração que te escutamos!
E as lágrimas das coisas vão caindo
…E somos nós que as choramos!

Sim, nós!... Quem sofre e chora, somos nós!
Um choro de cobardes e vencidos,
Nessa hora de sombra em que, transidos,
Olhamos em redor… e estamos sós!

Sós! Todos sós! Ó almas solitárias,
Vede a tristeza da tarde!
É vendo-a que a noss’alma desolada
Se sente mais sozinha, abandonada,
E o nosso coração é mais cobarde…

É vendo a claridade agonizar,
Como um olhar voluptuoso e triste,
Que sentimos subir-nos surdamente
Aos olhos o desejo de chorar
Baixinho, docemente,
Sobre o peito de alguém… que não existe!
……………………………………………………………
E, quando sobre o mar
Cai a noite do céu pesadamente,
A gente, sem querer… põe-se a chorar!





Manuel Laranjeira, in Líricas Portuguesas – 2.ª série, Portugália Editora, 3.ª edição, Setembro de 1967, pp. 111-113. Pobre desgraçado. Nasceu em Vergada a 17 de Agosto de 1877. Dedicou-se, desde muito novo, à poesia, ao teatro, à crónica. Oriundo de uma família modesta, chegou a médico. Um homem polémico que não prescindiu da actividade política. Obteve 19 valores com a tese de doutoramento A doença da Santidade. Foi viajado, amigo de Amadeo de Souza-Cardoso, conheceu Unamuno ─ «Fué Laranjeira quien me enseño a ver el alma trágica de Portugal y me enseño no poços rincones de los abismos tenebrosos del alma humana» ─, trocou correspondência com Pascoaes, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, João de Barros, etc. Uma sífilis nervosa e a “inépcia dos políticos” deram-lhe cabo dos nervos. Suicidou-se com um tiro na cabeça a 22 de Fevereiro de 1912. Não coube na Antologia.

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