quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

ELEGIA


Conhecia Isabel Coixet (n. 1960, Barcelona) do filme The Secret Life of Words. Em Elegy, pude confirmar a inclinação da realizadora para relações amorosas contaminadas pelo lado trágico da vida. Tudo num tom de apreciáveis sobriedade e contensão, ainda que o aparente realismo das imagens perca autenticidade na improbabilidade de uma retórica demasiado confiante e esclarecida. Talvez o defeito seja meu, acredito mais nas estribeiras perdidas do que na capacidade das pessoas para resolverem os seus problemas de um modo, digamos assim, civilizado e polido. É verdade que a predilecção da realizadora por pares que juntam homens mais velhos a jovens moças ajuda a maturar os discursos e a manter um certo equilíbrio, se bem que, nos dois filmes, os homens pareçam crianças ao pé das suas jovens paixões. Que o estereótipo da jovem moça virginal e ingénua, ou simplesmente depravada, seja transposto por uma opção que prefere jovens amadurecidas por experiências traumáticas, sublinha apenas um certo olhar feminino sobre o lado macho da questão. Se Tim Robbins (n. 1958) parecia ter mais a aprender com Sarah Polley (n. 1979) em The Secret Life of Words do que o contrário, Ben Kingsley (n. 1943) não parece ter menos a aprender com Penélope Cruz (n. 1974) neste Elegy. O argumento adapta The Dying Animal, um romance de Philip Roth sobre a paixão entre um velho professor de literatura e uma das suas jovens estudantes. Ao (re)descobrir o amor com Consuela Castillo, o professor Kepesh, divorciado e algo licencioso em matéria de paixões, vê-se numa espécie de terreno pantanoso que o obriga a uma constante racionalização dos sentimentos. A diferença de idades é o principal problema que se intromete na relação, a qual favorece igualmente uma crítica muito clara e certeira ao casamento enquanto instituição castradora da vontade e moralizadora do desejo. Tudo menos problematizado do que seria expectável, nomeadamente a emergência do ciúme e da possessão num professor que camufla o desespero ao piano e à conversa com um amigo poeta. Temo que a intelectualização das personagens lhes tenha usurpado alguma humanidade, a qual apenas se revelará convincente nas sequências finais, nomeadamente as que focam a perda do amigo poeta, sucumbido na hora da consagração, e aquela em que Consuela Castillo reaparece na vida do professor-amante para lhe dar a notícia de uma operação que obrigará à amputação de uma mama. A amputação da beleza, inteligentemente contornada pelo corpo de Penélope Cruz, reconfigurará todo um elo sentimental que havia sido recalcado, tornando assaz comovente a cena em que o professor Kepesh fotografa, pela última vez, o corpo inteiro de Consuela Castillo, diligenciando, quem sabe, o registo de uma beleza que pode ter motivado a paixão mas, perdida, não ameaça o amor. Ironicamente, acaba por reforçá-lo. Ou, pelo menos, acordá-lo das zonas reprimidas. Matéria para filmes, pois claro. Fosse a vida real assim, não precisaríamos da arte para nada.

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