José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa a 25 de Fevereiro de 1855. O pai tinha uma loja de ferragens e dedicava-se à lavoura numa quinta em Linda-a-Pastora, nas imediações da capital. Terá contribuído para que a vocação poética do filho fosse retraída, tendo-o educado, sobretudo, para a vida de comerciante. Ainda criança, Cesário começou a trabalhar na loja do pai. Após os estudos secundários, matriculou-se no Curso Superior de Letras, sem nunca ter marcado presença nos exames finais. Valeu-lhe a experiência para travar conhecimento com Silva Pinto, um amigo de grande proximidade com quem Cesário manteve uma relação que tem sido alvo de várias especulações. O próprio recordará o dia do primeiro encontro no prefácio à primeira edição de O Livro de Cesário Verde: «Encontrámo-nos pela primeira vez no Curso Superior de Letras. Foi em 1873. Cesário verde matriculara-se no Curso, em homenagem às Letras, como se as Letras lá estivessem ─ no Curso. Eu matriculara-me, com a esperança de habilitar-me um dia à conquista duma cadeira disponível. Encontrámo-nos e ficámos amigos ─ para a vida e para a morte. Para a vida e para a morte». A decepção com o mundo universitário e uma inclinação literária que chocava com a vida de comerciante, transformam o poeta num indivíduo solitário. Comerciante de profissão, jamais seria aceite na cátedra dos homens de letras. Entre estes, como é sabido, os balcões são mais baixos e as negociatas menos translúcidas. Diz-se, portanto, que Cesário Verde escreveu poesia nas horas vagas, incapaz de cortejar os seus pares no mundo das letras e evitando o convívio com os seus pares no mundo do comércio. Foi publicando em jornais e revistas, provocando o sarcasmo de Ramalho Ortigão ─ deve tornar-se «menos Verde e mais Cesário» ─ e, num tom menos irónico, alguma polémica: «…o seu folhetim, onde cada verso é simplesmente um vomitório…» 12 de Novembro de 1873 marca a estreia do «poeta-negociante» no Diário de Notícias. Frequentou, igualmente, as páginas do invicto Diário da Tarde. Em 1874, mais uma de muitas desilusões literárias: Teófilo Braga não inclui nenhum dos poemas de Cesário na antologia Parnaso Português Moderno. Burguês, algo dândi, atraído pela boémia, Cesário Verde afoga as mágoas e as amarguras com absinto bebericado nas tascas e nos cafés. «Era um rapaz alto, direito, elegante, simpático, cabelo curto, alourado, olhos azuis, vestindo sempre fato azul, de jaquetão, de corte inglês, sapatos amplos, com todo um ar britânico»… Cada vez mais afastado da vida literária, substitui o pai nos afazeres mercantis. Publica raramente, adia a edição de um livro, perde uma irmã e um irmão com tuberculose, começa a manifestar o pavor da doença. O trabalho leva-o a Inglaterra e França, onde terá assistido ao funeral de Vítor Hugo. Deambula pela capital portuguesa, procura conforto no campo, mas a doença persegue-o, agrava-se, acaba por colhê-lo. Ignorado pelos seus contemporâneos, queixava-se aquando da publicação de O Sentimento dum Ocidental: «Uma poesia minha, recente, publicada numa folha bem impressa, limpa, comemorativa de Camões, não obteve um olhar, um sorriso, um desdém, uma observação. Ninguém escreveu, ninguém falou, nem num noticiário, nem numa conversa comigo; ninguém disse bem, ninguém disse mal!... Literariamente parece que Cesário Verde não existe». Cesário Verde morreu a 19 de Julho de 1886, com trinta e um anos. O Diário de Notícias, jornal onde o poeta se estreara, fez-lhe o necrológio: «malogrado poeta e comerciante». Meses após a morte do poeta, o amigo Silva Pinto publicou, a expensas próprias, a primeira edição do Livro de Cesário Verde. O resto é história:
CINISMOS
Eu hei-de-lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.
Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha cruz e meu calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.
Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar-lhe a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.
Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la de um modo tão nervoso,
Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!
E eu hei-de, então, soltar uma risada.
CINISMOS
Eu hei-de-lhe falar lugubremente
Do meu amor enorme e massacrado,
Falar-lhe com a luz e a fé dum crente.
Hei-de expor-lhe o meu peito descarnado,
Chamar-lhe minha cruz e meu calvário,
E ser menos que um Judas empalhado.
Hei-de abrir-lhe o meu íntimo sacrário
E desvendar-lhe a vida, o mundo, o gozo,
Como um velho filósofo lendário.
Hei-de mostrar, tão triste e tenebroso,
Os pegos abismais da minha vida,
E hei-de olhá-la de um modo tão nervoso,
Que ela há-de, enfim, sentir-se constrangida,
Cheia de dor, tremente, alucinada,
E há-de chorar, chorar enternecida!
E eu hei-de, então, soltar uma risada.
3 comentários:
Por momentos, pensei que Cesário também não coubesse na Antologia.
Podiam tê-lo tomado mais por Verde do que por Cesário - pelos vistos, com ou sem sinestesia, camaleonaram-no com as cores dos organizadores.
A ver se hoje me consigo camuflar de verde e branco. Para domingo voltar a ser das cores de sempre, as do Dragão.
Olá VV. Deve ter cabido, não fui verificar. Seria escandaloso :-)
Este país é o das ramalhais fuguras, e os Cesários, raríssimos, vão-nos eternizando. Este post está mais ligado ao de cima do que pode parecer. Um gozo muito pessoal lê-lo.
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