quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

PODE TER MUDADO MAIS VEZES DE PAÍS DO QUE DE SAPATOS, MAS NÃO TANTAS QUANTAS FORAM AS VEZES QUE MUDOU DE MULHER


Filho da Floresta Negra e de pai bávaro, nasceu, às 4:30 de 10 de Fevereiro de 1898, Eugen Bertholt Friedrich Brecht. De coração defeituoso e tiques faciais nervosos, a merecerem internamento num sanatório, a débil criança não conseguia adormecer no escuro e sem companhia. Frequentou uma escola primária protestante, mudando-se posteriormente para uma escola particular. Aos 12 anos, o primeiro ataque cardíaco. Recompôs-se a ler literatura imprópria e a masturbar-se a desoras, causando alguns embaraços e preocupações familiares. «Uma das criadas da família, Marie Miller, prestava-se a jogos com Bertolt e o irmão: escondia objectos debaixo da saia que eles tinham de encontrar». Marotos. Aos 16 anos, trocou a criada pelas putas de um bordel onde foi alargar os seus conhecimentos sexuais. Entretanto, havia fundado com os colegas o jornal escolar A Colheita, começara a colaborar com o jornal de Augsburgo e escreveu a primeira peça: A Bíblia. Em 1917, foi obrigado a abandonar a boa vida escolar e a prestar serviço militar burocrático. A saúde frágil não dava para mais. Matriculou-se no departamento de Filosofia da Universidade Ludwig Maximilian, em Munique, trabalhou como enfermeiro, compôs Lenda do Soldado Morto e começou a escrever a peça Baal. Teve um filho ilegítimo de Paula Banholzer, uma das damas de companhia do bordel predilecto, numa altura em que já andava enrolado com Hedda Kuhn. Serviu-se do sentido crítico com o mulherio para começar a publicar crítica tetaral no jornal A Vontade do Povo, diário do Partido Social Democrata Independente bávaro. Continuou a escrever e, em 1920, perdeu a mãe, vítima de cancro na mama. Mudou-se para Munique e arranjou-se com Marianne Zoff, uma cantora de ópera com quem acabou por casar e de quem teve uma filha, Hanne. Por esta altura, a reputação de Brecht começa a afirmar-se enquanto dramaturgo. É-lhe atribuído o Prémio Kleist pela peça Tambores na Noite. Intensifica a sua actividade crítica ao mesmo tempo que compõe várias peças. Estabelece relações com os dadaístas, fascinado pelo lado satírico e iconoclasta do movimento. Liga pouco à família, envolve-se em várias aventuras extramatrimoniais, e junta-se à actriz comunista Helene Weigel. Escreve canções para Kurt Weil e é pai pela terceira vez. Stefan é o fruto da nova relação com Helene. 1926 foi a data de publicação do seu primeiro livro de poemas: Taschenpostille (Sermonário de Bolso). Divorcia-se de Marianne Zoff, ganha um prémio de poesia após o segundo volume de poemas, Hauspostille (Sermonário Doméstico), casa-se com Helene Weigel, colabora intensamente com Kurt Weil na composição de óperas e canções, nasce-lhe o quarto filho, Barbara. No entanto, Brecht mantém relações amorosas anteriores sob a tolerância da mulher, «chegando [esta] a avisar outros homens que não interfiram com as amantes do marido». Na sequência de uma Carta aberta ao actor Heinrich George, perguntando-lhe pelo paradeiro de Hans Otto, membro do partido comunista torturado e assassinado pelos nazis, estes retiraram a cidadania alemã a Brecht quando ele se encontrava na Dinamarca com os filhos. Brecht meteu-se em fuga, exilou-se na Suécia, Finlândia, França, Grã-Bretanha até chegar à Califórnia, em 1941. Passou a grafar o seu nome como Bertolt e já não Bertholt. Exilado na companhia de Helene Weigel, escreveu roteiros de cinema em Hollywood para sobreviver. Na Alemanha, os seus livros eram atirados para a fogueira. Tem um terceiro filho ilegítimo de Ruth Berlau, mas a criança morre com pouco tempo de vida e a mãe acaba internada num hospital psiquiátrico. Na manhã de 30 de Outubro de 1947, compareceu perante a Comissão das Actividades Anti-Americanas. O interrogatório demorou uma hora. Brecht proclamou-se poeta revolucionário mas negou ter pertencido ao Partido Comunista. Apanhou um avião e partiu para novos exílios: Paris, Zurique, Berlim-Leste, onde fundará com a mulher o Berliner Ensemble. Em 1950, ele e a companheira de exílio obtêm a nacionalidade austríaca. Criticado a Leste, boicotado a Ocidente, «torna-se uma referência incontornável» para vários artistas do seu tempo. Morreu aos 58 anos, em 1956, vítima de enfarte do miocárdio:

LOUVOR DO ESQUECIMENTO

Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.

Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.

Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.

O fogo aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.

Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?

A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.



Bertolt Brecht, in Poemas e Canções, trad. Paulo Quintela, Livraria Almedina, 1975, p. 209. Nota biográfica composta a partir da cronologia organizada por Ana Barradas para o volume Brecht – Selecção de Poemas, Textos e Teatro, Dinossauro, 3.ª edição, Abril de 1999.